O usineiro Jacques Samuel Blinder, que diz ser dono de um terreno ocupado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), em Embu das Artes (SP), tem uma dívida de R$ 500 mil em Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) com a prefeitura.
A área de 53 mil metros quadrados, situada na Rua Davi Blinder, compreende ainda o Cemitério Jardim da Paz e um estacionamento.
Desde o dia 4 de novembro do ano passado, mil famílias sem-teto ocupam esse terreno. Em janeiro, Blinder fez o pedido de reintegração de posse, mas a juiza que acompanhava o caso, Barbara Carola Hinderberger Cardoso de Almeida, foi julgada suspeita no caso.
A magistrada havia publicado, em julho de 2012, um artigo na Folha de S.Paulo dizendo que estava sendo ameaçada de morte por integrantes do MTST.
O documento que fundamentava a ação de reintegração contra o MTST é o mesmo contrato de compra e venda de 1986, uma escritura pública que comprova a compra do terreno, mas não o registro de matrícula do imóvel.
Na petição do movimento, os advogados do MTST questionam a propriedade da área. "Os proprietários, no entanto, só arrogam-se donos da área no momento de expulsar famílias sem teto em estado de necessidade, mas jamais quando são demandados pelo Poder Público para assumir suas responsabilidades fiscais", afirmam no documento.
Segundo Geraldo Juncal Júnior, ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento de Embu das Artes durante a gestão do prefeito Chico Brito (que atuou de 2009 a 2015 e, na época, era filiado ao PT), existem diversas áreas que não cumprem função social no município e que estão aptas para receberem planos de habitação popular.
"Há anos essa área não cumpre a função social dela. Quando nós fizemos o plano diretor, o intuito era avançar com IPTU progressivo, sobretudo em áreas como essa, subutilizadas", aponta.
Protesto
Em 12 de janeiro, as famílias sem-teto que estão no terreno fizeram um ato em frente à suposta casa de Blinder, na Avenida Angélica, 868, no bairro de Higienópolis, em São Paulo (SP).
Segundo o zelador Antônio Feitosa Neto, ele não mora mais no local. "Trabalho aqui há 21 anos, e há seis anos ele mudou daí. [...] Mas sempre chega correspondência para ele de uma firma chamada Santa Fany”, relata. Santa Fany é o nome da destilaria de Blinder, situada em Regente Feijó, no norte do estado de São Paulo.
O processo que envolve Blinder e o MTST apresenta ainda a alegação de que as famílias estariam "depredando"o patrimônio (veja foto abaixo). Mas uma das coordenadoras do movimento, Débora Pereira, afirma que as famílias fazem justamente o contrário.
"Não depredamos o terreno, nós cuidamos dele. Quando chegamos lá, o terreno era um lixão, com mato alto. As casas são simples, de bambu e lona. A gente se organiza, e todo domingo tem mutirão de limpeza. As pessoas andam a ocupação toda tirando os lixos, carpindo", justifica.
Outros processos
Blinder também é réu em 427 ações apenas na Justiça estadual de São Paulo, incluindo execução fiscal de dívida ativa no valor de R$ 514.399,76, indenização por dano material e ações criminais. Há ainda um processo de crime contra o sistema financeiro nacional com processo em trâmite na Justiça Federal do Maranhão.
Sua destilaria, a Santa Fany, está lacrada pela Justiça e em recuperação judicial. "Essa empresa está com as atividades paradas há cerca de quatro anos. Ela foi lacrada por ordem judicial, ainda não foi decretada a falência. Tem processo trabalhista que já foi quitado e outros não", afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Química Farmacêutica (Sindetanol), Milton Ribeiro Sobral.
A reportagem também encontrou uma denúncia da Procuradoria da República da cidade de Ribeirão Preto (SP) contra Blinder e outros nove usineiros, denunciados por formação de quadrilha, aliciamento de índios e não-cumprimento de leis trabalhistas. O juiz reconheceu a prescrição do caso, o que impediu o julgamento final do mérito.
Função social da terra
A Constituição Federal brasileira de 1988 garante o direito à propriedade, em seu artigo 5º, inciso 22, e garante a "função social", no inciso 23, ou seja, a propriedade é de direito de todos e não deve estar ociosa nem sendo usada de maneira responsável.
“Geralmente o Judiciário devolve uma área que não cumpre função social para um proprietário. São decisões que favorecem latifundiários, que tem muitas propriedades e não recolhem impostos. Neste caso, eles têm o privilégio de aplicação da lei, e a população, que está amparada pela Constituição Federal, que diz que a moradia é direito fundamental, não é assistida", afirma Luciana Bedeschi, pesquisadora do Observatório de Remoções e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do ABC (FAU-UFABC).
Outro lado
O Brasil de Fato ligou para o celular de Jacques Blinder três vezes. Ele atendeu a todas as ligações, mas preferiu não se manifestar sobre o caso em nenhum dos contatos.
Edição: Camila Rodrigues da Silva