Desde 2015, empresas que concentram o serviço de conexão à internet em banda larga fixa – Vivo, Claro e Oi detêm mais de 83% do mercado – vêm indicando que pretendem acabar com o acesso ilimitado.
As operadoras pretendem aplicar o mesmo sistema dos planos de internet pela rede móvel, ou seja, se o consumidor utilizar o volume de dados contratado antes do fim do mês, ou bloqueiam o acesso a internet (que só volta a ser ativado se o usuário pagar mais) ou restringem o acesso a determinados aplicativos fornecidos por outras empresas escolhidas de acordo com seus interesses comerciais. Em geral, o acesso se restringe ao Facebook e ao WhatsApp.
As duas práticas são ilegais de acordo com o Marco Civil da Internet. O bloqueio do acesso após encerrado o limite de dados ou franquia é ilegal, pois a lei, coerente com o reconhecimento do caráter essencial da conexão a internet para o exercício da cidadania, determinou que o corte só pode ocorrer se o consumidor não pagar a conta. O Código do Consumidor diz o mesmo: se o serviço é essencial, deve ser prestado de forma contínua.
A prática de restringir o acesso a certas aplicações também é ilegal. Isso porque a empresa estará privilegiando determinados dados, o que representa desrespeito à neutralidade da rede.
A neutralidade é princípio fundamental para garantia de democracia na internet. Sem ela, acordos comerciais ou forças políticas poderiam restringir o tráfego nas redes, comprometendo direitos fundamentais como o direito à comunicação e a liberdade de expressão.
Ou seja, a franquia, do modo como vem sendo comercializada, representa acesso limitado não só a internet, mas aos direitos conquistados com o objetivo de promover a inclusão digital e a diminuição do fosso social.
Aceitar os planos com franquia implica que os cidadãos mais pobres, sem renda para contratar planos ilimitados caros, tenham acesso restrito a internet, sem poder fazer cursos on-line, participar de consultas públicas, assistir sessões dos Tribunais, baixar documentos, assistir filmes, utilizar a rede para atividades comerciais ou outras essenciais para seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
Dados recentes da pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), órgão ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), mostram que 65% dos cidadãos das classes D e E e 45% da classe C só acessam a internet pela rede móvel, enquanto 84% da classe A acessa tanto pela rede fixa quanto pela móvel, revelando que a adoção do modelo de franquia vai comprometer a inclusão digital, que só se alcança plenamente pelo acesso fixo e ilimitado.
Hoje, os planos de franquia na rede fixa estão suspensos por decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que também instalou consulta pública sobre o tema, cujo prazo se encerra em 30 de abril.
Entretanto, na semana passada, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Gilberto Kassab, que anda muito afinado com o presidente da Anatel, Juarez Quadros, antecipou publicamente que, em breve, as franquias estarão autorizadas.
Aliás, não foi surpresa, pois a Anatel tem dito em diversas manifestações públicas que é favorável à limitação, alegando, assim como fez o ministro, que esta seria uma medida benéfica para o consumidor.
O CGI.br já afirmou que qualquer decisão a respeito da franquia deve ser embasada por estudos técnicos, jurídicos e econômicos e recomendou que a Anatel, a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, o Conselho de Administração Econômica, associações de usuários e empresas, provedores de acesso e operadoras de telecomunicações devem buscar juntos soluções que atendam o desenvolvimento democrático da internet.
Mas a Anatel e o MCTIC não têm compromisso com a governança multiparticipativa da internet, como determina a lei, e Kassab está ansioso para mostrar que privilegia os interesses privados de grupos econômicos multinacionais poderosos.
(*) Advogada da Proteste, associação de Consumidores e Representante do 3º setor no Comitê Gestor da Internet
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