Indústria

Queda no barril do petróleo, corrupção e Lava Jato desmantelam indústria naval

Entre janeiro e junho de 2016 houve uma queda de mais 7.331 vagas nos estaleiros, atingindo a marca de 43.745 empregados

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Estaleiros da indústria naval estão sofrendo com as crises econômica e política
Estaleiros da indústria naval estão sofrendo com as crises econômica e política - Reprodução

A crise pela qual passa hoje o setor naval brasileiro teve seu trágico enunciado em 2015, quando, em uma mistura de crise política e econômica, as atividades do setor paralisaram e atingiram significativamente o número de contratos e, consequentemente, de empregados. Segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), o setor empregava, em dezembro de 2014, 82.472 trabalhadores. No ano seguinte, o que já indicava a forte crise que o setor passaria a enfrentar, este número caiu para 57.048 funcionários. Somente entre janeiro e junho de 2016 houve uma queda de mais 7.331 vagas, atingindo a marca de 43.745 empregados nos estaleiros brasileiros. Ou seja, em apenas dois anos houve uma diminuição de quase metade dos postos de trabalho do setor.

Especialistas apontam que essa situação foi causada pela forma como o setor petrolífero foi atingido, especialmente a Petrobras – principal fonte de contratos -, por três principais fatores: a queda do preço do barril de petróleo, a corrupção e os impactos das ações da Lava Jato. 

O preço do petróleo é o principal fator da crise e atingiu todas as petrolíferas do mundo. Em meados de 2012, o barril havia se mantido, com poucas oscilações, entre US$ 80 e US$ 100, para, em 2014, apresentar queda e manter o declínio, chegando em 2016 custando entre US$ 25 a US$ 32. 

Mas, segundo Armando Boito, professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, a Operação da Polícia Federal tem grande responsabilidade neste cenário. “A Lava Jato apurou a corrupção dificultando o acordo de leniência. Você podia punir os diretores, mas sem que a empresa deixasse de trabalhar, mas eles fizeram questão de punir os diretores e criar problema para as empresas”, afirma. 

Para Sergio Gabrielli, professor titular aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e ex-presidente da Petrobras (2005 a 2012), a Lava Jato afetou fortemente as empresas do setor de produção de insumos e o setor entrou em crise profunda. “A redução dos investimentos da Petrobras tem um impacto muito grande na indústria dedicada ao chamado offshore e às plataformas de produção. Por outro lado, a Lava Jato afetou diretamente a cadeia de fornecedores, então ela criou um problema de crédito para os estaleiros”, afirma. 

Para Gabrielli, a corrupção deve ser tratada como caso de polícia e não de política, como tem sido feito pela operação. “A corrupção é algo que deve ser punida exemplarmente em cada caso. Não pode ser uma política geral de combate a corrupção, que é ineficaz”. 

Esta política representa os arquitetos do golpe, segundo Boito. “Eles estão, desde o começo, sincronizados com instituições do Estado americano. Nem eles escondem, viajam pra lá e levam documentos debaixo do braço. Rodrigo Janot levou pastas de documentação para os acionistas americanos que estão processando a Petrobras. Um office boy do imperialismo. São representantes políticos no Brasil do capital internacional, que foi a força dirigente deste golpe de Estado”. 

Quatro momentos

Mas essa não é a primeira vez que a indústria naval, assim como outras indústrias nacionais, passa por uma fase de desmantelamento. São quatro os grandes momentos vividos, até agora, pelo setor. O primeiro, de grande desenvolvimento, durante as décadas de 1960 e 1970, inclusive dentro do período em que o Brasil passava pela ditadura militar. Segundo Armando Boito,  diferentemente da Argentina e Chile, que além de acabarem com a democracia implantaram o modelo capitalista neoliberal, aqui, no Brasil, acabaram com a democracia, mas mantiveram uma política desenvolvimentista, com forte protecionismo econômico e incentivo às indústrias. 

E o segundo momento foi na gestão de Fernando Henrique Cardoso. “Na década de 1990 foi a grande queda com a política do FHC, em que os investimentos da Petrobras foram muito reduzidos, e se importava tudo o que era necessário para a cadeia do petróleo e gás. Já no final do segundo mandato do FHC, depois de muita pressão, ele implantou uma política de conteúdo local com uma taxa muito baixa, de apenas 15%. Com o Lula e a Dilma essa porcentagem foi a 65%. Mas veja, era um braço de ferro cotidiano, porque as empresas estrangeiras tudo faziam para burlar a política de conteúdo local”, conta.

Entrava-se, então, no terceiro momento: a recuperação. A política de conteúdo nacional é uma regulamentação que inclui uma cláusula nos contratos de concessão, desenvolvimento e produção, entre as empresas vencedoras de licitações e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), estabelecendo um percentual mínimo de valor agregado, impulsionando, assim, a participação e fortalecimento da indústria nacional. Segundo a publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) intitulada Ressurgimento da indústria naval no Brasil: (2000-2013), dos editores Carlos Alvares da Silva e Fabiano Mezadre, entre 2000 e 2013, o número de empregados com carteira assinada passou de 1,9 mil para 71 mil. 

Para Boito, hoje, após o golpe de Estado, vivemos um novo desmonte da indústria naval brasileira. “O Temer está enxugando o conteúdo local. O próprio Pedro Parente, presidente da Petrobras, pediu licença para importar uma plataforma de um R$ 1,2 bilhão, alegando que a fabricada no Brasil seria mais cara. A indústria naval esta afundando e o cara quer importar uma plataforma de 1,2 bi”, declara.

O que chama a atenção do professor da Unicamp é a contradição exposta pela Sinaval em sua plataforma de reivindicações, entregue ao presidente não eleito Michel Temer. O primeiro ponto da pauta era a defesa do projeto do ministro de Relações Exteriores José Serra (PSDB-SP) - que tira da Petrobras a condição de operadora única e sua participação mínima de 30% nas operações de exploração da camada do Pré-sal; e o segundo ponto era a continuidade das políticas estabelecidas durante as gestões do PT sobre o conteúdo local. “Eles imaginavam que o projeto do Serra, abrindo o Pré-sal para o capital estrangeiro, atrairia mais investimento e, portanto, redimiria a cadeia do petróleo e gás. Só que eles não percebem que essas duas coisas (o projeto e a política de conteúdo local) concorrem uma com a outra. Por que se você dá para a Shell a operação de um poço, ela vai procurar os fornecedores dela. Eles combinam preços e fazem superfaturamento. A política de conteúdo local está na berlinda.”

Sergio Gabrielli também critica o atual marco regulatório do setor produtivo do petróleo, que enfraquece e encolhe a estatal brasileira. “A Petrobras está sendo objetivamente fatiada e privatizada em partes. E a indústria naval está acabada. De um lado tem a Lava Jato, a retração da atividade econômica brasileira, e do outro lado a mudança da política da Petrobras, no marco regulatório brasileiro. Você não vai ter nenhuma empresa que agora vá demandar 28 sondas. Nenhuma terá essa capacidade”.

Ele cita também o caso da venda de 66% de participação da exploração do campo de Carcará, na Bacia de Santos, para a empresa norueguesa Statoil, no dia 28 de julho. A Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo), em agosto, entrou com uma ação na Justiça com o objetivo de reverter a venda, argumentando que o campo, vendido a US$ 2,5 bilhões, pode valer dez vezes mais. “A Petrobras esta saindo da operação, e em novas áreas ela provavelmente não entrará. Cada operador vai buscar a sua sonda, a sua plataforma, naquele fornecedor que seja mais conveniente. Eu acho que é quase um caminho sem volta para a indústria naval, porque não haverá escala suficiente para se implantar uma nova indústria no Brasil”, ressalta. 

Edição: José Eduardo Bernardes

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