A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 298, apresentada na Câmara Federal no último dia 15, vem sendo rechaçada por segmentos populares. A medida sugere a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para tratar da reforma política e eleitoral, o que tornaria o atual Congresso Nacional responsável por substituir a Carta Magna de 1988.
Em contraposição, a sociedade civil organizada pede uma Constituinte exclusiva, que consistiria na eleição de representantes somente para elaborar uma nova constituição.
Apresentada pelo deputado Rogério Rosso (PSD-DF), a PEC já conta com assinaturas de 172 parlamentares favoráveis. A matéria está na mesa diretora da Câmara e deve ser encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça para avaliação de admissibilidade.
Segundo a proposta, a assembleia seria instalada a partir de fevereiro de 2017 e funcionaria conforme o modelo unicameral, ou seja, com uma casa legislativa única formada por membros da Câmara e do Senado.
A revisão constitucional vedaria alterações em seis pontos específicos: o Estado democrático de direito; a separação dos Poderes; o voto direto, secreto, universal e periódico; a forma federativa de Estado; os direitos e garantias individuais; e o pluralismo político.
Críticas
Para José Antonio Moroni, do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a proposta seria uma ameaça, especialmente por conta do aparato econômico que domina o jogo de forças no Legislativo federal.
“Essa PEC é tudo que nós não queremos, porque transforma este Congresso, que foi eleito pelo poder econômico e é o mais conservador das últimas décadas, no poder constituinte. Isso é altamente prejudicial para quem quer democracia e quer enfrentar as distorções do nosso sistema, como a sub-representação das mulheres, dos indígenas e da população negra. O que nós queremos é uma Constituinte exclusiva e soberana”, afirma Moroni, que também é membro da plataforma de movimentos sociais pela reforma do sistema político.
Na mesma linha, o advogado Ricardo Gebrim, da Consulta Popular, destaca que a proposta desenhada na PEC 287 tende a produzir vícios que comprometeriam a nova Constituição.
“Se eu escolho alguém como o senador, por exemplo, para elaborar o sistema político, é claro que ele vai querer preservar as vantagens do Senado. Então, você já predetermina como será o novo sistema. Isso vicia e demarca, tirando a liberdade e a autonomia soberana de uma Constituição”, defende.
Gebrim ressalta ainda que a PEC reedita o modelo adotado no Brasil durante o regime militar. “A ditadura se recusou a fazer uma Constituinte exclusiva e fez isso na legislatura de 1982 a 1986, que contava inclusive com senadores biônicos [que recebem mandato por nomeação, sem terem sido eleitos], em que foi aprovado que a próxima legislatura teria poderes constituintes”, resgata o militante, em referência ao processo que levou à elaboração da Constituição Federal de 1988.
Direitos sociais
Para Moroni, com o atual equacionamento de forças do Congresso, a aprovação da PEC representaria mais uma ameaça para balançar a arena política em desfavor dos direitos sociais.
“Nenhum dos seis pontos que a PEC traz como imutáveis diz respeito a esses direitos. Ela fala dos direitos individuais, por exemplo, mas, no Brasil, os direitos sociais não estão dentro deles. Então, essa proposta vem pra retirar direitos, e não pra dar consequência àqueles já existentes”, critica o dirigente, citando ameaças às políticas de ação afirmativa e aos direitos de indígenas e quilombolas.
Para o bancário e militante Rodrigo Almeida, a juventude é um dos segmentos que poderiam ficar mais comprometidos com uma eventual aprovação da PEC 287.
“Desde o ano passado, os jovens vêm sofrendo muito com todo esse processo, principalmente a juventude negra e pobre, porque tem o ajuste fiscal, com cortes na educação, tem as alterações nas leis trabalhistas, etc. Essas coisas afetam principalmente quem está entrando no mercado agora. Se fizermos uma Constituinte da forma como está colocada na proposta, vai dar no mesmo”, avalia Almeida, da coordenação nacional do Levante Popular da Juventude, que reúne cerca de 7 mil integrantes pelo país.
Crise
Gebrim classifica a PEC 287 como um “golpe” das elites diretamente relacionado ao atual cenário de crise.
“Mais uma vez estamos vendo o que o professor Florestan Fernandes nos alertava: há uma capacidade antecipatória muito forte na classe dominante brasileira. Percebendo que a crise se aprofunda, que a proposta de uma Constituinte vai acabar se tornando uma necessidade pra romper todo esse processo, eles já tentam se antecipar e transformar o Congresso em Constituinte. Isso é golpe, não representa a soberania popular", declara o militante.
Na avaliação dele, a intensificação da crise enfrentada pelo país está, aos poucos, fazendo com que os setores populares percebam a importância de uma Constituinte exclusiva.
“As pessoas começam a ver que é preciso devolver a soberania popular, e o caminho pra isso é uma Constituinte ampla, soberana, que possa discutir todo um conjunto de questões, mas que seja eleita pelo voto popular e com representantes exclusivos para discutir os nossos rumos”, finaliza Gebrim.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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