Um grupo formado por 17 parlamentares e cerca de 20 entidades da sociedade civil organizada oficiou o governo do Distrito Federal (DF) para se queixar da conduta policial e da interdição da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, durante a manifestação das forças populares na última terça-feira (13).
O documento, protocolado nessa quinta-feira (15), é uma carta-denúncia direcionada ao governador, Rodrigo Rollemberg, e à secretária de Segurança Pública do DF, Márcia de Alencar Araújo, que pede que seja feita uma investigação sobre a ação da polícia e que os casos de violações de direitos humanos sejam punidos.
Na ocasião, estudantes, sindicalistas, professores, movimentos populares e cidadãos em geral se reuniram para protestar contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, aprovada em segundo turno no Senado na mesma data. Impedidos de acessar a Esplanada e revistados pelos policiais, eles ocuparam o entorno da Catedral de Brasília.
Para os parlamentares e as entidades que assinam o documento, a interdição fere direitos e intensifica os conflitos.
“Um forte aparato repressivo impediu que aquelas pessoas pudessem exercer o direito de ir e vir e se dirigir até o Congresso Nacional. O inexplicável isolamento do espaço público, com fechamento de vias, é uma primeira ofensa à Constituição da República e, em vez de contribuir para o livre e pacífico exercício de cidadania, termina por potencializar a indignação, dado se tratar de arbitrária e abusiva prática que só guarda relação com períodos de autoritarismo e suspensão dos direitos fundamentais, de trágica lembrança”, argumentam os autores na carta.
Para o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), a interdição levanta ainda questionamentos referentes a uma assimetria no tratamento entre manifestantes de organizações populares e grupos identificados com as forças conservadores. No ofício enviado ao governo, ele e os demais remetentes acusam a Polícia Militar do DF de agir sob “seletividade ideológica”.
“No período do impeachment, teve manifestante a favor que colocou até barraca em frente ao Congresso e não foi estabelecida nenhuma restrição a isso. Mas, quando é pra lutar contra medidas que retiram direitos sociais, vem essa restrição até mesmo de deslocamento dentro da Esplanada”, comparou o parlamentar.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) destaca que o episódio se comunica com o cerceamento à liberdade de expressão. “Nós estamos vivendo um momento de ausência de direito de manifestação em um processo de extrema truculência, que é diretamente ligado à ruptura democrática”, considera a parlamentar, que integra a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal.
Entre as entidades que assinam a carta-denúncia, estão a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Frente Brasil Popular (FBP-DF), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Levante Popular da Juventude e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Prisões
O documento, com mais de 40 páginas, reúne ainda denúncias de uso excessivo da força e abuso de autoridade por parte de agentes de segurança. Segundo balanço oficial da Secretaria de Segurança Pública do DF divulgado na noite de terça, 72 pessoas chegaram a ser detidas durante o protesto.
Uma das críticas diz respeito ao enquadramento coletivo dos participantes. “Não se pode querer criminalizar nenhuma manifestação coletivamente. Se há algum ato que tenha que ser necessariamente enquadrado num tipo penal, as ações precisam ser individualizadas. Eles foram levados coletivamente, o que é uma clara ofensa ao direito de manifestação desses cidadãos. Temos aí uma falta de limitação ao abuso de poder punitivo”, considera o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ).
Ele estava na comitiva de parlamentares que foi ao Departamento de Polícia Especializadas (DPE) da capital federal na terça à noite para tratar das prisões e mediar o conflito. Na ocasião, dezenas de manifestantes chegaram a ser acusados de desacato à Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7170), usada para definir crimes contra a ordem política e social.
“O que eles estavam fazendo era exercendo o seu direito de livre manifestação, e isso não pode ser confundido. Essa lei é um entulho da nossa ditadura e não cabe numa democracia porque fala em inconformismo social, liberdade de criminalização e posturas subversivas. Além disso, os manifestantes não foram ouvidos e a tipificação se dava unicamente a partir do depoimento dos policiais, ou seja, era um arbítrio”, criticou Kokay, que também esteve no DPE.
Após a mediação dos parlamentares, os manifestantes foram liberados da acusação de ofensa à Lei nº 7.170.
Na carta enviada ao governo, os signatários relatam ainda casos de atuação desproporcional, inclusive além do local da manifestação, em conduta controversa que afetou a população em geral. Nos últimos dias, fotos e vídeos foram divulgados por internautas nas redes sociais para denunciar a atitude.
Para Cleber Buzatto, secretário-geral do Cimi, o caso traz à tona a discussão sobre o preparo dos agentes para atuar na segurança pública.
“Havia agentes totalmente desequilibrados emocionalmente fazendo uso de sprays de pimenta contra pessoas que não tinham nada a ver nem com o protesto. Uma total falta de proporcionalidade e de condições psicológicas pra lidar com situações de tensão social. Nessas condições, um policial transtornado e com armas à sua disposição representa um grande risco para a sociedade”, avalia Buzatto.
O governo
O Brasil de Fato procurou as assessorias de imprensa do governo do DF e da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSPDS-DF) para tratar da carta enviada pelas entidades e por parlamentares. Em resposta, a SSPDS-DF enviou a seguinte nota:
A Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social informa que o governo recebeu o documento e que vai analisá-lo e prestar os devidos esclarecimentos. A SSPDF reafirma que a Polícia Militar do Distrito Federal agiu com uso progressivo da força, usando os meios necessários, para conter os atos violentos de vandalismo na manifestação do dia 13.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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