RADAR DA LUTA

Richa e o discurso da truculência. A mídia e o discurso da “antipolítica”

Passadas as eleições municipais, o discurso de despejo forçado dos estudantes nas escolas ocupadas ganha força

Curitiba |
Enquanto as organizações de esquerda se somavam à rede de apoio aos secundaristas, as organizações de direita se esforçavam para – no sentido oposto – desocupar as escolas
Enquanto as organizações de esquerda se somavam à rede de apoio aos secundaristas, as organizações de direita se esforçavam para – no sentido oposto – desocupar as escolas - Brasil de Fato PR

Por força de uma infecção, acompanhei do hospital os fatos mais recentes do movimento Ocupa Paraná, logo depois da morte do jovem Lucas Eduardo Araújo Mota dentro de escola estadual no bairro de Santa Felicidade, em Curitiba, no dia 24 de outubro. O que me permitiu observar o discurso comum na maioria das reportagens televisivas.

Mesmo diante da reação instantânea e previsível do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), e de grande parte dos veículos de comunicação, defendendo a saída imediata das 850 escolas ocupadas até então, vale fazer o registro sobre as formas usadas por governo do estado e alguns veículos de comunicação para deslegitimar o movimento.

Um primeiro fato curioso é que, nos atos de junho de 2013, Richa não teve a mesma postura condenatória em relação aos protestos. Houve enfrentamentos, mas quem participou das marchas à época notava que a postura da PM não tinha a predisposição à truculência – inclusive aprendendo com a experiência desastrosa do governo Alckmin (PSDB), em São Paulo. Afinal, o grande desgaste dos atos acabou pesando contra o governo Dilma (PT) naquele momento.

Desde 2015, porém, a postura de Richa passa a descaracterizar os protestos e o movimento social no Paraná, como fez desde o início das ocupações de escolas, alegando que “não teriam sentido” ou que seriam “coisa do PT e da CUT”. E nem é preciso recordar aqui o método usado no dia 29 de abril de 2015.

Richa, no caso dos estudantes, incentivou a ação de um “movimento” que sequer tem a ver com os secundaristas: o Movimento Brasil Livre (MBL), que cumpriu o papel de bate pau a serviço do governo, pressionando os estudantes, usando até o expediente da violência em frente às escolas. Passadas as eleições municipais, o discurso de despejo forçado dos estudantes nas escolas ocupadas também ganha força.

O governador do Paraná ainda vem, desde 2015, orquestrando uma campanha contra o sindicato estadual de professores e funcionários de escola (APP-Sindicato), classificado por ele como “braço do PT”.

O outro lado da violência

A pressão e até a violência por parte do MBL sobre as escolas ocupadas não foi relevante na cobertura midiática. Comentaristas e repórteres – com honrosas exceções – não deram espaço para a forma como as ditas “desocupações” eram levadas a cabo. Pouquíssimo espaço também para o movimento Ocupa Paraná se posicionar.

A insistência da cobertura era (é) sempre pelo relato de algum estudante ou pai que condena as ocupações. Essa versão de fato existiu, não pode ser ignorada, mas certamente não é a única. Onde estão os pais que apoiam o movimento? Muitos acompanharam as ocupações de perto. Onde estava o relato sobre os diversos grupos de apoio da sociedade que se formaram?

Um “movimento político e partidário”?

O resultado final desse tipo de cobertura expõe a ideia de que o movimento é “político” – ainda que, para isso, abusando do senso comum e do desgaste atual dos partidos e da política institucional.

Político, no caso, significa dizer que ele não era legítimo, ou então traria interesses de determinado partido por trás – como se um partido hoje conseguisse direcionar 850 ocupações de escolas por estudantes secundaristas.

A confusão de conceitos – política, movimento social, partido -, não é apenas casual na cobertura jornalística. Seria ingenuidade achar isso. O mais gritante é perceber que, numa democracia, o discurso é de crítica quando as pessoas comuns – caso de jovens de 14 a 16 anos – resolvem participar da política.

Ao consolidar o senso comum sobre o tema, a maioria dos veículos de mídia ignora que muitos movimentos reivindicatórios surgem a partir de uma exigência econômica (imaginemos uma greve dentro de uma campanha salarial), mas obviamente ela também se relaciona com a política. E isso principalmente em um momento quando as medidas políticas do governo federal têm impacto direto sobre a vida das pessoas – na educação, saúde, assistência social, trabalho e previdência. Fica a pergunta simples, mas: o que estaria fora da política, no caso? Qual luta seria então legítima?

A direita condena os movimentos dos trabalhadores

A participação de organizações políticas é normal nesses movimentos, que são mais amplos que o papel dessas organizações. Quem acompanhou sabe que partidos de esquerda e sindicatos não tiveram protagonismo, mas sim prestaram apoio aos estudantes.

Enquanto as organizações de esquerda se somavam à rede de apoio aos secundaristas, as organizações de direita se esforçavam para – no sentido oposto – desocupar as escolas. Até o momento, a direita sequer consegue inserção em movimentos da classe trabalhadora, embora chegue a escrever que os sindicatos e movimentos sociais “são aparelhados pelas organizações de esquerda”.

Seria bom avisar então a grupos como o MBL e a “Direita Curitiba” que a construção de um sindicato ou movimento demanda acordar cedo, dedicação de tempo e, por princípio, apoiar e não condenar os trabalhadores. A experiência recente quando o PSDB buscou criar o “PSDB sindical”, para atuar no movimento de trabalhadores, foi um fracasso e não vingou.

A crítica de que a atuação dos partidos deslegitima os movimentos populares desconsidera quais partidos apoiam movimentos da sociedade – e quais não apoiam.

O papel da mídia deveria ser ao menos colocar essas questões nos termos certos. Uma vez que o papel de confundir já está sendo cumprido pelo governador Richa.

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