A oposição ao movimento dos secundaristas que atualmente ocupam escolas no Distrito Federal (DF) vem preocupando estudantes e outros segmentos da educação. Na noite dessa segunda-feira (31), alunos que ocupavam o Centro de Ensino Médio Ave Branca (Cemab), em Taguatinga, cidade-satélite, relatam ter sofrido ataques de um grupo de estudantes que se opõe ao movimento de ocupação das escolas. Cerca de 60 alunos estavam no local e alguns deles afirmam que chegaram a sofrer ameaça de morte.
“Eu estava com mais duas pessoas fazendo a segurança da escola e eles chegaram com armas brancas e de fogo e falaram que queriam me matar. Como era num espaço onde não tinha câmera, eu falei pra gente ir pra outro espaço, porque, se eles fossem me matar, que fosse na frente das câmeras, pra todo mundo ver logo quem são essas pessoas que estão contra o nosso movimento. Foi no momento em que a polícia entrou, aí eu conversei com o capitão, mas ele só me disse que não podia fazer nada”, relata o estudante V. L., que foi escolhido pelos alunos da ocupação para fazer a segurança dos demais participantes por ter conhecimento das práticas de primeiros socorros.
“Esses outros alunos cerraram as grades, os cadeados e um deles me ameaçou, dizendo que ia me perfurar, aí eles mostraram as armas”, narra R.C. Ele e outros militantes relatam que o movimento vinha sofrendo ameaças e episódios de violência desde a última quinta-feira (27), quando o Cemab foi ocupado. Segundo eles, a oposição vem de alunos considerados conservadores e identificados com a matriz ideológica das forças de direita.
“A gente teve que escolher um esquadrão de segurança por conta das ameaças que o grupo vinha sofrendo. Inclusive, eles chegaram a bater numa amiga minha, que está com a boca cortada”, acrescenta V.L Entre outras coisas, os estudantes citam o uso de pedras e bombas caseiras para intimidar o movimento.
A deputada federal Erika Kokay (PT-DF), que esteve no local logo após o ocorrido, acredita que o episódio no Cemab foi "um ato de um movimento organizado por pessoas que carregam muito ódio e estranheza em relação à democracia".
Para a parlamentar, “as ocupações são uma verdadeira primavera brasileira em defesa da educação, e elas merecem respeito. Não é assim que se resolve a diferença de ideias. Eles querem calar as vozes dos estudantes, mas elas não serão caladas porque representam milhares de outras vozes pelo país".
Segurança pública
Os participantes da ocupação também se queixaram da ação da polícia no local. “Eles simplesmente mandaram o grupo deles sair – sem identificação, sem revista, sem nada. Nós, quando fomos tirados de lá, tivemos que apresentar nome, identidade, CPF, e as nossas mochilas foram revistadas. Achei uma total falta de respeito”, compara V., em referência à desocupação do Cemab, ocorrida na manhã desta segunda-feira (1º) pelas forças policiais.
A medida ocorreu após uma decisão judicial resultante de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
“Eles chegaram falando que queriam fazer um acordo, mas não foi isso que aconteceu. Chegaram oprimindo todos os alunos, falando que, se a gente resistisse, eles iriam ter que usar violência”, conta Raphael Henrique, também do movimento de ocupação.
Kokay se disse preocupada com o ocorrido. “Essas pessoas não podem ficar impunes. Eu fico assustada com o fato de as forças de segurança do Estado se preocuparem com os meninos que ocupam democraticamente a escola, inclusive preservando o espaço público, e que deixem sair livremente os outros que cometeram ações criminosas. Isso é inadmissível”, criticou a petista.
O movimento
De acordo com a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), o número de escolas ocupadas chega a 1.174 em todo o país. No Distrito Federal, são oito unidades sob ocupação estudantil, além de cinco campi do Instituto Federal (IFDF).
As reivindicações dos alunos giram em torno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, antiga PEC 241 que está em avaliação no Senado, que institui o teto dos gastos públicos, atualmente em tramitação no Senado, e a reforma do ensino médio, que foi encaminhada pelo Planalto ao Congresso via Medida Provisória 746, sem a participação dos demais segmentos da educação.
Parlamento
Os episódios ocorridos no Cemab provocaram a reação imediata de parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, que convocaram uma reunião de urgência na tarde desta terça-feira (1º), em interlocução com outros atores, como o Ministério Público Federal (MPF), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e outras entidades. A audiência contou com ampla adesão dos estudantes.
“Nós decidimos realizar essa reunião porque precisamos encontrar caminhos de mediação. Como o governo atual não dialoga, então, nós não temos interlocução. É preciso abrir as portas do parlamento, dentro das possibilidades objetivas que temos”, disse o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que presidiu a mesa da audiência.
Na ocasião, o pedagogo Alexandre Varela, que compõe o Conselho Distrital de Segurança Pública (Condisp), conversou com a reportagem e demonstrou preocupação com a atuação da polícia durante a desocupação do Cemab.
“Se a polícia precisa cumprir um mandado, ela tem que tomar cuidado pra que os direitos dos adolescentes sejam respeitados”, afirmou Varela, acrescentando que pais de alunos teriam sido impedidos de acompanhar a desocupação.
O governo
O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do DF para tratar das críticas feitas nesta reportagem, mas a instituição respondeu apenas que as reclamações dos estudantes sobre as agressões sofridas na noite desta segunda (31) serão apuradas pela Polícia Civil. A Secretaria não se manifestou sobre as críticas feitas à polícia pelas fontes que foram ouvidas nesta matéria.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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