A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que instaura o Novo Regime Fiscal, segue no centro das preocupações de especialistas e movimentos que alertam para o risco de deterioração dos direitos humanos. Prevista para ser votada em segundo turno na Câmara Federal no começo da próxima semana, a medida já movimenta também a arena política do Senado, para onde será encaminhada em caso de aprovação definitiva na Câmara.
Em audiência pública realizada nesta segunda-feira (17) no Senado sobre saúde, cidadania e direitos humanos, parlamentares e expoentes da sociedade civil organizada manifestaram repúdio à proposta. A PEC tem colecionado opositores porque, ao propor um teto para os gastos públicos, tende a provocar drásticas reduções em áreas como saúde, educação, ciência e tecnologia, segundo apontam projeções feitas por universidades, especialistas e institutos de pesquisa.
O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Valcier Rangel, destacou a preocupação com a prestação do serviço público de saúde após a iminente aprovação da proposta.
“Uma medida como essa certamente terá impactos nas internações, na assistência básica, nas emergências, nos transplantes, nos programas de aids e de promoção à saúde. Cabe ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos colocou que o direito à saúde é universal. O Estado precisa assumir essa obrigação e, com a PEC 241, haverá uma quebra de compromisso. É um modo perverso de operar o orçamento público”, avaliou o dirigente.
A auditora fiscal aposentada Maria Lucia Fattorelli, que coordena a Auditoria Cidadã da Dívida, acrescentou que, além da saúde, a PEC tende a comprometer diversas outras áreas. “Não são só os direitos sociais que serão congelados. Toda a estrutura de Estado, incluindo a segurança pública, a segurança nacional, a Previdência e a assistência social. A única coisa que está fora desse congelamento é a dívida pública, o que é um absurdo”, disse a auditora.
Ela salientou ainda que o Brasil, apesar de ser a 9ª economia do planeta, amarga o 75º lugar no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “Isso pode piorar com a aprovação da PEC”, projeta.
Prioridades
Na ocasião, Valcier Rangel defendeu um rearranjo dos gastos públicos, de forma a canalizar mais verbas para a garantia dos direitos sociais e menos para a dívida pública, cujos juros e amortizações respondem por 42% do orçamento, enquanto a saúde e a educação têm juntas menos de 10%, por exemplo.
“O governo deveria tirar dinheiro do pagamento dos juros da dívida e também das camadas da população que não pagam imposto. Existem saídas para equilibrar a economia, e, seguramente, não é tirando dinheiro da saúde que se faz isso”, defendeu Rangel.
Fattorelli reforçou o discurso do dirigente. Ela ressaltou que a PEC irá subtrair ainda mais recursos da saúde, enquanto o governo opta pela priorização da dívida, que nunca passou por uma auditoria e é apontada por diversos especialistas como uma forma de institucionalizar práticas de corrupção.
“Esse discurso de que precisamos congelar gastos é um escândalo. Nós deveríamos estar enfrentando outro debate, que seria sobre a melhor forma de empregar as riquezas, até porque recurso é o que não falta no Brasil. Nosso país é marcado pela abundância e as crises fazem parte de um cenário. Enquanto a nossa realidade é de muitas riquezas --petróleo, reservas de nióbio, fontes energéticas, riqueza humana e cultural –, há um cenário armado de escassez. Por conta disso, enfrentamos crises em todas as áreas – política, social, ambiental e ética”, analisa a auditora.
Desinformação
Durante os debates, Fattorelli lamentou a questão do baixo acesso à informação por parte da sociedade, o que seria um combustível do discurso oficial, que apresenta a PEC 241 como solução para a crise fiscal.
“O governo e toda a grande mídia estão instalando um clima de terrorismo, fazendo uma lavagem cerebral nas pessoas e vendendo a ideia de que o Brasil vai quebrar se não aprovar essa proposta, o que não é verdade. Quem é contra o controle dos gastos? É óbvio que todo mundo quer. Agora, as questões que não querem enfrentar são: qual é o gasto que de fato precisa ser controlado? O que está por trás dessa PEC 241? Por que não enfrentamos as amarras que impedem o país de garantir serviços de qualidade para todas as pessoas, atendendo aos direitos humanos? (…) A verdade é que as pessoas vão ser roubadas, e isso não está sendo dito pra elas”, lamentou a auditora.
A preocupação com a falta de informação de qualidade também foi destacada pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que participou do debate. “É claro que eles estão fazendo isso porque boa parte da população está alheia ao que está ocorrendo no país. Lamentavelmente, os resultados das eleições municipais foram favoráveis às pessoas que não querem investimentos em saúde e educação. E os mais pobres votam nessas pessoas porque são mais suscetíveis a discursos demagógicos, à desinformação e à mentira”, disse.
O psolista destacou o desafio de fazer as informações circularem com mais capilaridade. “A nossa tarefa, não só do parlamento, mas da sociedade civil, é fazer a grande maioria das pessoas, sobretudo os mais pobres, ter acesso às informações verdadeiras, pra que elas possam distinguir o joio do trigo”, afirmou.
O senador Paulo Paim (PT-RS), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Casa, onde foi realizada aaudiência, ressaltou a luta das forças de oposição para tentar vencer o contexto de desinformação e dificultar a aprovação da proposta.
“Devagar a consciência das pessoas há de avançar e elas vão perceber o que significa exatamente essamedida. Sei da dificuldade que vai ser enfrentar a PEC aqui no Senado, mas sempre vale a pena lutar”, afirmou. Ele informou ainda que a Comissão pretende continuar discutindo o tema e deve aprofundar os debates acerca das diversas reformas que estão sendo discutidas na atualidade, como a trabalhista e a da Previdência.
Mobilização
Uma das iniciativas da sociedade civil organizada no sentido de combater a PEC 241 partiu recentemente da Auditoria Cidadã da Dívida. A organização, que não tem fins lucrativos e reúne diversos atores e entidades em prol da auditoria da dívida pública, lançou um abaixo-assinado virtual para pedir o engajamento das pessoas contra a proposta de teto para os gastos públicos.
O documento está disponível neste link.
Tramitação
A proposta foi aprovada em primeiro turno na Câmara Federal no último dia 10, por um placar de 366 a 111, e nesta segunda-feira (17) será pauta de uma reunião deliberativa da comissão que analisa a matéria. Os membros do colegiado deverão elaborar a redação para a votação em segundo turno, prevista para o início da semana que vem.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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