Em meio a uma das piores crises de violência dos últimos anos, o secretário estadual de Segurança do Rio de Janeiro José Mariano Beltrame pediu demissão nesta terça-feira (11), depois de uma década à frente da pasta. Beltrame foi responsável pela implantação do projeto de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas principais favelas da cidade do Rio.
Para falar sobre as consequências da demissão, o Brasil de Fato entrevistou o delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Orlando Zaccone, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
O secretário de Segurança pediu a exoneração do cargo logo após intensos tiroteios em favelas na região de Copacabana, zona sul do Rio, durante operação na comunidade do Pavão-Pavãozinho, na segunda-feira (10). Três pessoas morreram, oito foram presas.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato - O que significa a demissão do secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame?
Orlando Zaccone - A demissão de Beltrame em meio a uma crise da segurança é simbólica. É um marco do começo do fim do projeto falido das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Estamos voltando a 2008, quando as UPPs foram implementadas e a gente vivia uma crise muito parecida.
Brasil de Fato - E por que, em sua opinião, a UPP fracassou?
Porque violência não se resolve com polícia, mas com política pública. O projeto da UPP não era para acabar com o comércio de drogas, era apenas para conter os conflitos entre as diferentes facções criminosas e impedir que uma invadisse o território da outra gerando assim a guerra. Mas, para isso acontecer teria que ter um batalhão em cada favela. Só a Rocinha, por exemplo, tem o segundo maior batalhão do estado. Porém, não há policiais, nem recursos para atender um projeto dessa amplitude. Portanto, a UPP é um projeto economicamente insustentável.
Brasil de Fato - Mesmo nas comunidades já ocupadas?
Sim. Porque a UPP não era só um projeto de polícia. A promessa era levar a essas comunidades ocupadas uma boa política de habitação, cultura, educação. Isso não aconteceu. Depois veio a falência do estado do Rio de Janeiro e o projeto não só não conseguiu avançar, como também não está conseguindo se manter.
Brasil de Fato - O que provocou essa crise na segurança que estamos vendo hoje com tiroteios espalhados pela cidade? É uma nova ofensiva do tráfico de drogas?
Essa violência que estamos vendo no Rio de Janeiro nos últimos dias não é novidade. Estamos vendo um “museu de grandes novidades” pois essa violência em Copacabana é o resultado da proibição das drogas. Não tem como a gente falar de violência no Rio de Janeiro sem debater o tema da legalização das drogas. A proibição dessas substâncias criou uma indústria armamentista que envolve disputas por território e uma guerra entre grupos fortemente armados.
Brasil de Fato - O senhor acha que a sociedade brasileira está aberta a esse debate?
Não está por enquanto, mas, temos que começar a criar espaços para debatermos esse tema. Veja o exemplo dos Estados Unidos, um país com uma sociedade conservadora que em cinco anos mudou alguns cenários. Em 2014 fizeram um plebiscito e a legalização da maconha foi aprovada em quatro estados: no Alasca, em Oregon, Colorado e na capital Washington. Também foi legalizando o álcool que os EUA enfrentaram as máfias, como a do Al Capone, que faziam contrabando e venda de bebidas alcoólicas nas décadas de 1930 e 1940.
Brasil de Fato - Depois da demissão do secretário Beltrame, qual é o panorama da Segurança Pública?
A demissão do Beltrame representa o sintoma do fracasso da política que promoveu o encontro macabro entre o poder público e o poder privado na área de segurança. Empresários como Eike Batista patrocinaram essa guerra nas favelas por meio das UPPs. A violência nunca acabou, ela só tinha sido ocultada durante um tempo.
Brasil de Fato - Em sua opinião, qual seria o caminho para encontrar uma solução real para o tema da segurança no Rio?
Só existe uma maneira de conter a violência do Rio que é promover o debate sobre a legalização das drogas. E a legalização tem que vir junto com investimento em educação e outras políticas públicas. O uso dessas substâncias alcançou um estágio irreversível e precisamos falar sobre isso. O fato é que, infelizmente, nenhum problema será resolvido com o congelamento dos investimentos em saúde e educação, como o governo de Michel Temer (PMDB) está fazendo nesse momento com a proposta da PEC 241 que congela gastos públicos nos próximos 20 anos.
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