Em 2015, 137 indígenas foram assassinatos no Brasil, número semelhante ao do ano anterior, quando houve 138 registros dessa natureza. Os dados estão entre os destaques do relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil – 2015”, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) nesta quinta-feira (15), em Brasília (DF)
A compilação traz ainda outras estatísticas alarmantes: no somatório de casos ocorridos entre 2003 e 2015, o número de assassinatos de indígenas chegou a 891, uma média de 68 ao ano. Mas a violência é multifacetada: em 2015, por exemplo, houve 31 tentativas de assassinato, 18 casos de homicídio culposo, 12 de ameaças de morte, 13 de racismo e discriminação e étnico-cultural, nove casos de violência sexual e oito casos de abuso de poder.
O relatório mostra ainda que não só a violência propriamente dita atinge as comunidades. Também no ano passado a omissão do poder público levou à morte de 599 crianças menores de 5 anos em todo o país, a maior parte em decorrência de problemas como pneumonia, diarreia e gastroenterite, doenças consideradas de fácil tratamento.
Outra faceta dessa omissão se revela no número de suicídios: foram 87 em todo o país, sendo 45 apenas no Mato Grosso do Sul. O estado, que também amarga a pior posição entre os casos de assassinato, tendo registrado 36, ao todo, tem destaque especialmente pela situação do povo Guarani Kaiowá.
“Nossas crianças estão morrendo por falta de atendimento médico e continuamos sofrendo todo dia graves violações, incluindo os casos de ataques de agrotóxico dentro das áreas indígenas. O despejo desses produtos vem poluindo as águas que a gente utiliza pra fazer alimento e tudo mais. (...) Falta decisão política do governo pra agir diante disso”, diz Elson Gomes Kaiowá, liderança do tekoha Kunumi Verá, localizado no município de Caarapó (MS).
Ele também destaca a relação do agronegócio com os casos de violência contra as comunidades. “Eles querem roubar todos os nossos direitos, e isso gera conflitos e violência. Parece que a nossa liberdade ficou pra trás. A soja, o milho e a cana têm sangue do povo indígena”, desabafa.
Demarcações
A demarcação de terras é maior impasse que faz parte do jogo de forças envolvendo os direitos das comunidades tradicionais. A Constituição Federal determina que todas as terras indígenas deveriam ter sido demarcadas até 1993, mas, segundo levantamento do Cimi, 654 ainda aguardam atos administrativos do Estado para terem o processo de demarcação concluído. O número equivale a 58,7% do total de terras indígenas no país.
“Quanto maior o número de terras demarcadas, maior é também a violência enfrentada pelas comunidades das terras que ainda estão na fila e maiores são as dificuldades para realizar estudos antropológicos que definam o que é território indígena”, disse o procurador da República Leonardo Maia, em referência aos conflitos de ordem político-econômica.
No ano passado, o Cimi registrou 18 conflitos relativos a direitos territoriais e 53 casos envolvendo invasão possessória, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio dos povos, sendo 18 somente no Maranhão.
“Esses conflitos geram uma situação desumana para as famílias indígenas, que vivem em condições de refugiados de guerra. É lamentável”, disse Roberto Liebgott, do Cimi, destacando ainda os casos de tortura sofridos pelas comunidades em decorrência da luta pela terra.
Para a antropóloga Lúcia Rangel, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP) e coordenadora do relatório divulgado pelo Cimi, as origens da violência contra os povos indígenas no Brasil remontam à formação social brasileira.
“Nós temos na nossa história alguns componentes que se destacam nisso, como o poder que foi conferido aos senhores de terras e de escravos. Aí você tem uma família patriarcal violenta e a escravidão como fonte da violência. Tivemos quatro séculos de escravidão e um de puro desnorteio, digamos, porque parece que não se formou nada ainda em termos de consciência. Não consolidamos a democracia nem muito menos a nossa mentalidade”, analisa antropóloga.
Legislativo
Para as entidades e os movimentos da causa indígena, os dados de violência apresentados no relatório se comunicam diretamente com as iniciativas legislativas que hoje estão na pauta do Congresso no que se refere às comunidades tradicionais.
Entre elas, destacam-se a recriação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra, reinstalada no último dia 30, e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a responsabilidade sobre a demarcação de terras.
As duas têm sido bastante criticadas porque, na visão dos movimentos, a CPI teria, entre outras coisas, o objetivo de desqualificar o trabalho técnico de demarcação de terras para comprometer os direitos indígenas, enquanto a PEC pretende deixar as comunidades ainda mais vulneráveis ao jogo político que domina o Legislativo.
“Essas ações no âmbito do Congresso têm influenciado fortemente as ações locais de violência, inclusive porque muitos dos parlamentares que articulam essas propostas promovem audiências públicas nos seus estados com o objetivo de insuflar a população contra as comunidades indígenas. As iniciativas do Legislativo, são, portanto, deflagradoras de vários conflitos nas diversas regiões”, disse Roberto Liebgott.
Edição: Simone Freire
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