O que mais tenho escutado e lido nos últimos dias, principalmente da boca dos novos inquilinos do poder no Brasil, é que o impedimento da Presidente Dilma é “página virada”. Agora começou um novo tempo, tempo de retomar o crescimento, resolver a questão econômica, fazer as “reformas” para que o Brasil retome o seu lugar de país emergente e pujante. E por aí via o discurso oficialista.
Página virada? Desconfio que a linguagem denuncia, antes, uma tentativa de enganação, de ilusão que os novos governantes nos querem fazer descer goela abaixo, sem maior cerimônia. Os novos governantes vieram com tudo pronto e decidido. Basta examinar as novas “pautas-bomba” que estão na mesa do Congresso. Só que desta vez – com a maioria de 70% dos votos dos congressistas, sabe-se lá conseguidos a que custo – a bomba cairá no lado mais fraco, isto é, de nós cidadãos, trabalhadoras e empreendedores.
É só acompanhar alguns noticiários mais isentos, excetuando a TV oficial da Vênus Platinada. Como escreveu outro dia um dos poucos políticos sérios do RS, o que temos no cenário atual é a vitória do capitalismo mais predatório, que vem com tudo para acabar com o meio ambiente (via mineração criminosa, continuação da venda de terras a estrangeiros e envenenamento das terras no agronegócio, privatização de mananciais de águas, de superfície e subterrâneas, e tantos outros assaltos às riquezas do país). Junto com estas ações, desmonte da Petrobras com fins de privatizar recursos como os do pré-sal (também este gerador de grandes problemas ambientais no fundo do mar!), privatizações imediatas de empresas públicas, fim do processo de integração com nossos vizinhos do Mercosul, Unasul, e secundarização das alianças estratégicas com os BRICS, para voltarmos a ser satélite do grande irmão do norte.
E tem mais: mudanças na CLT, aumento da idade de aposentadoria para 65 anos, perda de direitos sem qualquer compensação, falta de transparência na gestão da conta da Previdência, como por anos vem sendo denunciado pelo bravo senador Paulo Paim. Quer dizer, nada de página virada, mas um torniquete que está a anunciar um novo momento dominado pelos velhos esquemas, agora legalmente pelos corruptos de sempre. Não se pode esquecer nem virar a página quando mais de 60% dos senadores que votaram contra Dilma na Presidência enfrentam processos na Justiça. Infelizmente, estes processos andam a passo de tartaruga, enquanto o julgamento de Dilma levou 100 dias e não conseguiu provar o seu “crime de responsabilidade”. Tanto que o novo governo já enviou ao Congresso proposta de Decreto para “legalizar” o que se chamou de “pedaladas fiscais”. Página virada? Para quem? Não para quem continuará a lutar e exigir justiça em todos os sentidos e âmbitos da vida nacional.
*Roberto E. Zwetsch é professor de Teologia Prática de Faculdades EST em São Leopoldo e pastor da IECLB.
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