No dia em que os senadores iniciaram os pronunciamentos finais em relação ao impeachment de Dilma Rousseff, o Brasil de Fato promoveu debate para analisar as implicações desse processo para os trabalhadores. A atividade, realizada nesta terça-feira (30), contou com a participação de Ana Claudia Mielke, do Coletivo Intervozes; de João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); e do cientista político Aldo Fornazieri. Eles consideraram que a tentativa de deposição da presidenta é uma “injustiça” e afirmaram que a petista saíra dele, independentemente do resultado, com dignidade.
Durante o dia, parlamentares, advogados de defesa e de acusação apresentaram as considerações finais. Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment, fez discurso pouco técnico, indicando causas políticas e até mesmo religiosas como fundamentos da ação. Eduardo Cardozo, por sua vez, se emocionou em entrevista ao comentar os ataques à presidenta afastada.
O dia também foi de protestos contra o impeachment em diversas cidades, como São Paulo, Porto Alegre e Fortaleza, com fechamento de avenidas e rodovias.
Procedimento
Os participantes do debate apontaram que o processo contra Dilma, apesar do aparente respeito às formalidades, não tem fundamento legal. “Foram definidos um conjunto de procedimentos de comum acordo entre as partes. Esse mecanismo procedimental é relativamente tranquilo, embora ele possa ser questionado do ponto de vista do Direito. O impeachment deve ser um julgamento fundamentalmente jurídico, os senadores são jurados. A discussão política descaracterizou isso”, avaliou Fornazieri, em referência aos pronunciamentos dos parlamentares.
Para Stedile, as razões apresentadas no pedido da acusação não são suficientes para que Dilma Rousseff seja cassada. “A sessão que assistimos no Senado parecia um teatro do absurdo: todas cartas marcadas, as pessoas falam e ninguém ouve os argumentos. Nessa farsa, emergiu a figura da presidenta, que teve coragem de enfrentar. Se pedalada é crime, porque não colocaram o [Michel] Temer no processo. Por que o [Antônio] Anastasia é relator, se ele também deu pedalada?", questionou.
Atores
Os debatedores disseram ainda que a movimentação contra Dilma Rousseff foi fruto de uma articulação de diversos interesses. Para Fornazieri, “logo após as eleições de 2014, já se prenunciava o impeachment e ficou evidente com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara”.
Ana Mielke destacou o papel desempenhado pelos grandes meios de comunicação em todo o processo. “A mídia é um ator político desse processo. Desde 2013 e 2014, a Rede Globo tem cumprido um papel de mobilizar as pessoas. Isso foi ficando cada vez mais claro. Existe um processo de hegemonia e um discurso único que faz com que as pessoas não entendam muito bem o que está ocorrendo”, disse.
O dirigente do MST, por sua vez, destacou a convergência entre os interesses do mercado com algumas instituições públicas. “Desde o início, nós percebemos que as forças do poder econômico tinham a hegemonia sobre o Poder Judiciário. Não só no STF [Supremo Tribunal Federal], mas também no Ministério Público e no juiz Moro”, afirmou. Para Stedile, o debate sobre o impeachment está relacionado a uma disputa entre projetos. “O que está em jogo é se devemos aplicar um plano neoliberal ou não. A farsa é que esse plano não interessa ao povo brasileiro. O que eles querem acabar com os direitos dos trabalhadores e se apropriar dos recursos naturais para eles saírem da crise e jogá-la em nossas costas”, apontou.
Avaliação
Todos presentes elogiaram a atuação de Dilma durante o processo. “Ela se comportou com dignidade. Entrará para a história como estadista que representou o povo, assim como Getúlio [Vargas] e Jango [João Goulart]. Os outros entrarão para a lata do lixo da história”, defendeu Stedile.
Fornazieri destacou ainda que nada foi provado contra a presidenta. “Dilma foi vítima de uma grande injustiça. A história será terrível com aqueles que estão aplicando o golpe”, afirmou.
Ana Mielke reforçou os aspectos machistas pelo qual se deu a desconstrução da imagem da petista. "Ela sofreu uma injustiça em uma sociedade bastante misógina. Se cair, irá cair de pé”, declarou.
Futuro
Durante o debate, foram apontadas as perspectivas sobre os rumos da esquerda após o final do processo do impeachment. Para os analistas, a votação tende a ser desfavorável a Dilma.
“É difícil reverter o processo. O STF tem se mostrado covarde, fazendo parte do novo acordo de poder que se articulou. Há duas violações contra a Constituição. Estão julgando uma pessoa por um crime que não cometeu. Não há crime de responsabilidade. O processo todo deveria ser anulado. Segundo, boa parte da acusação se baseia em uma decisão do TCU [Tribunal de Contas da União] de outubro do ano passado, o que significa uma lei retroativa. Não é Dilma que tem que ser julgada, mas quem está violando a Constituição”, avaliou Fornazieri.
Ana Mielke destacou que, após o golpe, o Brasil deve passar, a médio prazo, pela formação de um novo bloco político progressista. “É preciso recompor o lugar da política. Um dos grandes desfavores feitos pela grande mídia foi o de criar a imagem da política como um lugar de degeneração", afirmou.
Nesse mesmo sentido, o cientista político defendeu um processo geral de recomposição da esquerda nacional. “Ela entrou em colapso em todos sentidos: retórico, de pedagogia política e organizativo. Tem que buscar uma nova fórmula. A ideia de unidade na pluralidade é uma reflexão que deve ser feita. Por fim, ainda que não se possa perder a perspectiva da institucionalidade, também não se pode perder a perspectiva de radicalização social”, propôs.
Do ponto de vista dos movimentos populares, Stedile destacou que, qualquer que seja o resultado deste processo, as dificuldades pelas quais o país passa não se encerrarão. "Todos esses fatos vêm evidenciando que o Brasil vive uma grave crise relacionada com o modo de produção capitalista em geral. O agravamento da crise econômica levou a um esgotamento da frente neodesenvolvimentista: esse modelo foi rompido. Para sair da crise não basta tirar ou colocar governo. Devemos construir uma unidade popular que consiga apresentar um projeto de saída para essas crises”, avaliou.
O dirigente sem terra também apontou que a reformulação da esquerda deve estar preparada para essa nova realidade. “Nós vamos entrar em um outro ciclo de lutas. Precisamos pensar o que foi feito até agora, estabelecer um novo projeto para o país e também novas formas de organização”, defendeu.
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