Desde que minha filha nasceu, eu e minha companheira ganhamos mais um hábito: ir à feira de orgânicos, em um parque no centro de Sāo Paulo. Feira é lugar para ser abordado por tudo e todos. Em uma das vezes, uma senhora me disse: “que bom vê-lo aqui. Pena que esses alimentos sāo mais caros! Mas é melhor do que gastar muito mais com remédio, não é verdade?” Sim, é verdade. E, aqui em Sāo Paulo, o MST e o prefeito Haddad estāo tornando a alimentaçāo saudável mais acessível para toda a populaçāo.
Nas escolas municipais, mais de 1 milhão de crianças comem, diariamente, alimentos orgânicos na alimentação escolar. Suco de laranja natural, arroz integral, banana sem agrotóxicos, verduras, legumes e uma dieta rica em vitaminas e nutrientes garantem o melhor desenvolvimento no aprendizado e ajudam no combate à obesidade infantil. Foi criado ainda um grupo técnico entre Saúde e Educação para monitorar a qualidade dos produtos e os impactos no desenvolvimento destes estudantes.
Além de garantir a oferta, a iniciativa beneficia também os pequenos e médios agricultores, já que a Prefeitura determinou que a compra dos alimentos tenha, no mínimo, 30% de produtos orgânicos e de base agroecológica. E a primeira compra foi de uma cooperativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para ocupar de vez o espaço, o MST abriu o “Armazém do Campo”, no centro da Capital, para vender produtos orgânicos, livres de agrotóxicos, vindos da reforma agrária e da agricultura familiar. E sem aquele raio gourmetizador no preço!
Nos últimos anos, as políticas públicas implementadas no Brasil nos tiraram de uma situação de fome e subnutrição, mas estamos vendo aumentar a obesidade, em especial nas crianças. Além disso, estudos associam, cada vez mais, a incidência de câncer com uso abusivo de agrotóxicos.
Como saímos de uma situação que, aparentemente, é o oposto da outra em tão pouco tempo? É hora de voltarmos nossos olhos para a qualidade dos alimentos nas prateleiras e o estudo publicado pela USP “O indigesto sistema do alimento mercadoria” nos ajuda a entender essa equação.
Os pesquisadores trazem elementos para identificar como a atual indústria alimentar não visa o bem estar das pessoas, apenas o lucro. Em outras palavras, a lógica que transforma o alimento em apenas um produto lucrável, e não o considera estratégico para a saúde pública, permite que se faça uso excessivo de agrotóxicos, abuse de conservantes, lance mão de transgênicos de forma irresponsável, entre outras medidas que afetam a saúde dos brasileiros e levam ao aumento de peso.
A Organização Mundial de Saúde aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A projeção é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões, obesos. O número de crianças com sobrepeso e obesidade no mundo pode chegar a 75 milhões, se não houver medidas efetivas.
No Brasil, a obesidade vem crescendo cada vez mais. Na cidade de São Paulo, estudo feito pela Secretaria Municipal da Saúde, em 2015, aponta que 50% dos paulistanos estão com sobrepeso. Em 2003 este número era de 38%. Esse cenário é reflexo do consumo em larga escala de alimentos industrializados, somado à rotina incessante da urbanização: pouco tempo para se alimentar e se exercitar adequadamente.
O poder público pode interferir em algumas frentes para mediar essa realidade. Quando estava no Ministério da Saúde, além de uma política nacional de alimentaçāo saudável, envolvendo a estratégia de saúde da família com os Núcleos de Apoio à Saúde da Família, reduzimos sódio e gordura nos processados. A regulaçāo da publicidade infantil ainda é um desafio.
Precisamos ter o entendimento de que o combate à fome não é o oposto de políticas de combate à obesidade. Ambas fazem parte de um mesmo direito que deve ser garantido: segurança alimentar para toda a população. E para superarmos são necessárias políticas públicas integradas de saúde, educação e desenvolvimento social e local. Esse é o item no cardápio que todos temos que cobrar nas nossas cidades.
*Alexandre Padilha é médico infectologista e atual secretário municipal da Saúde de São Paulo. Foi ministro da Saúde do Governo Dilma e das Relações Institucionais do Presidente Lula.
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