As cores e as luzes da cerimônia de abertura da Olimpíada mostraram um país em festa reunido no Maracanã. Coreografias e cenários, porém, informaram pouco sobre quem foi obrigado a deixar sua casa, levou tiro da polícia ou perdeu emprego como camelô para tornar possível a celebração dos Jogos. Para essas pessoas, não há motivo para festa.
Um dos legados mais violentos são as remoções. Segundo cálculos do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio, mais de 77 mil pessoas perderam suas casas desde 2009, ano em que a cidade foi escolhida para sediar os Jogos.
São tantas as comunidades removidas que não foi possível apontar todos os locais de remoções no mapa lançado recentemente pela articulação da campanha “Rio 2016 – Os Jogos da Exclusão”, que reúne movimentos populares e organizações sociais.
Foram muitos os argumentos utilizados para remover as famílias: construção de vias expressas e riscos de desabamento foram alguns deles. Na Vila Recreio II, área valorizada da Zona Oeste, a linha de BRT (Bus Rapid Transport) passa longe de onde moravam as 235 famílias que foram tiradas de lá. O local é hoje um terreno vazio à espera de empreendimentos imobiliários.
Alguns casos de remoção e de resistência se tornaram símbolos dessa política. A favela Metrô-Mangueira, por exemplo, foi removida por estar a menos de um quilômetro do Maracanã. Nunca foi apresentada oficialmente aos moradores uma justificativa para sua retirada.
Ao lado do Parque Olímpico, os moradores da Vila Autódromo resistiram até o último momento, mas, onde existiam mais de 600 casas, apenas 20 conquistaram o direito de permanecer no plano de urbanização.
“Viver na cidade olímpica, pelo menos para nós da Vila Autódromo, foi um tormento. Podemos dizer que foi um verdadeiro inferno. Várias famílias e histórias de vida foram destruídas. O legado social não existiu”, afirmou Luiz Cláudio da Silva, um dos moradores que conseguiu ficar.
Os residentes da Vila Autódromo alegam ainda que as ordens judiciais para as remoções não respeitaram o direito de uso da terra por 99 anos, que eles haviam conquistado junto ao governo do estado.
Heloisa Helena Berto é yalorixá, ou seja, líder do terreiro de Candomblé, e viveu na pele a falta de liberdade religiosa. O terreiro que ficava na Vila Autódromo, conhecido como Casa de Nanã, foi destruído pela prefeitura, sem que fosse respeitado o direito ao reassentamento no próprio local. “Eles (funcionários da prefeitura) a todo momento ofendiam a gente. Às vezes de forma indireta, mas sempre menosprezando os moradores, de uma forma que eles se sentissem pequenos. Tudo para conseguir rebaixar as pessoas. Assim eles foram conseguindo tirar as famílias”, conta Heloisa.
Por trás das remoções estão interesses da especulação imobiliária e de grupos que querem transformar a cidade em um espaço a ser vendido e não vivido por seus cidadãos.
“Acabaram com a vida das pessoas, não querem saber se você tem do que viver. Que cidade é essa? A cidade é feita para o povo? Não é. O pobre nessa cidade não tem lugar. Eles fazem o que querem. Jogam as pessoas em qualquer lugar”, resume a agricultora urbana Rita Barbosa, removida em 2012 na Colônia Juliano Moreira, na zona oeste.
Thiago Mendes é do Coletivo de Comunicação da campanha Rio 2016 - Os Jogos da Exclusão.
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