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"Assalto" de Gisele Bündchen na abertura das Olimpíadas expõe “a paz dos túmulos”

Após críticas nas redes sociais, encenação foi excluída da abertura dos Jogos

São Paulo (SP) |
Imagem de ato realizado em maio deste ano no Rio, em protesto pelo assassinato de 5 jovens mortos pela Polícia Militar com 111 tiros de fuzil
Imagem de ato realizado em maio deste ano no Rio, em protesto pelo assassinato de 5 jovens mortos pela Polícia Militar com 111 tiros de fuzil - André Miguez/Mídia Coletiva

Ao som da música “Garota de Ipanema”, Gisele Bündchen desfila pelas ruas cariocas quando é abordada por uma criança que tenta assaltá-la. Prontamente, policiais surgem para defendê-la. Gisele se coloca, porém, entre a polícia e o suposto assaltante e todos se abraçam e dançam no final.  A proposta dessa cena que faria parte da abertura dos Jogos Olímpicos seria passar uma mensagem de paz. Mas a serviço de quem estaria essa paz?

Na prosa do escritor pernambucano Marcelino Freire, há um texto que versa sobre a paz como uma farsa. “A paz não resolve nada. A paz fica bonita na televisão. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador... A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue”, sentenciou ele.

Para o pesquisador, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC/MG (Nesp) Robson Sávio, o discurso da paz muitas vezes é usado para criar uma cortina de fumaça e camuflar a seletividade da violência que ocorre hoje no Rio de Janeiro. “A cidade do Rio de Janeiro é a síntese dos dramas de uma sociedade desigual e repleta de injustiças ratificadas inclusive pela justiça criminal”, conta.

Sávio avalia que trazer uma criança nesse papel revela uma clara tentativa de criminalizar a infância, em especial a pobre, negra e periférica. ”O discurso da paz é da paz dos túmulos. Assim, não se explicita as graves violências praticadas no país, inclusive pelo Estado”, afirma Sávio.

Pouco se falou sobre a cor do menino que interpretava o assaltante, mas diversos veículos da imprensa o tacharam de “pivete”.

“Como moradora do Rio de Janeiro, sabemos muito bem qual é provavelmente a cor dessa criança no imaginário das pessoas”, comenta Gabriela Oliveira, formada em Comunicação, ativista do movimento negro e youtuber. “Transmitir uma cena dessa na abertura dos Jogos Olímpicos apenas reforça os estereótipos que recaem sobe as crianças, sobretudo, as negras”, completa.

Violência policial

Um relatório divulgado nesta terça-feira (02) pela Anistia Internacional revelou a letalidade policial na preparação das Olimpíadas. Houve o aumento de 103% no número de mortes causadas pela polícia na cidade do Rio de Janeiro entre abril e junho de 2016, em relação ao mesmo período de 2015.

“Esse número compromete qualquer promessa de legado positivo dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro”, diz o documento lançado pela Anistia há dois dias da cerimônia de abertura.

Segundo o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, a polícia matou 49 pessoas na cidade do Rio em junho de 2016, 40 em maio e 35 em abril – totalizando 124 vítimas em 90 dias, ou mais de uma pessoa morta por dia. Desde 2009, quando o Rio se tornou a cidade-sede dos Jogos Olímpicos, a polícia matou mais de 2.600 pessoas na cidade.

“A ação policial nesses momentos como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos é pautada numa justiça que cria guetos protegidos pelo aparato bélico, assim ao invés de resolver o problema endêmico da violência, faz uma maquiagem para proteger turistas”, aponta o pesquisador da PUC/MG.

Diferenças

O Brasil que venceu a disputa para sediar o evento em 2009 é bem diferente do país de 2016. “O Brasil que conquistou as Olimpíadas tinha a figura do presidente Lula como líder, uma figura da conciliação do mundo das lutas populares com a sociedade elitista. O golpe à democracia que vivemos hoje denuncia essa farsa. Os grupos que historicamente estão no poder não aceitaram ser coadjuvantes. Não existe conciliação”, analisa Sávio.

Para ele, a imagem do Brasil como um lugar harmônico, onde há exaltação da natureza e clima ameno, é uma distorção da realidade e “esconde uma sociedade violenta, pautada pela desigualdade social”.

A paz nesse contexto não passa de um engodo, como traz Marcelino Freire. “A paz está proibida. A paz só aparece nessas horas. Em que a guerra é transferida. Viu? Agora é que a cidade se organiza. Para salvar a pele de quem? A minha é que não é”.

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