PEC 171/93

Conjuntura política atual afeta o debate sobre juventude, afirma advogado

Em entrevista, Cleyton Borges, fala sobre como o Estado tem boicotado direitos a crianças e adolescentes

São Paulo |
"Suspender o Conanda é um golpe dentro do golpe", disse
"Suspender o Conanda é um golpe dentro do golpe", disse - Daniel Caron/FAS

Aprovado na Câmara dos Deputados no ano passado, o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, aguarda votação no Senado. Outras quatro PECs do gênero continuam tramitando. Em duas delas, a maioridade seria ainda menor, aos 15 anos.

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Em entrevista ao Brasil de Fato, Cleyton Borges, militante da Uneafro e advogado que acompanha a aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto, fala sobre como a conjuntura política afeta o debate sobre a infância e a adolescência. “Ao meu ver, o próprio Estado, boicota a possibilidade de executar uma política de garantias de direito”, diz.

Confira a entrevista:

Brasil de Fato: Como a gestão interina de Michel Temer tem tratado o tema da maioridade penal e dos direitos da criança e do adolescente?

Cleyton Borges - O panorama desse período é o de retrocesso, que se concretiza em ações institucionais do governo golpista. Quando um dos primeiros atos do governo é suspender o funcionamento das pastas de direitos humanos, mulheres e questão racial, isso repercute como a materialização de um retrocesso que está em curso.

Na área da infância houve a suspensão das atividades do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Suspensão de reuniões, de viagens, de agendas, de horários. O Conanda era um órgão que, apesar de todas as dificuldades que existiam, vinha travando um debate sobre a redução da maioridade penal. Suspender o Conanda é um golpe dentro do golpe.

Então mesmo sem a aprovação da Lei, a vulnerabilidade é maior?

O risco [da Lei] ser aprovada no Congresso é grande, mas o golpe acontece dentro de um conjunto de ações que já estão em curso, na prática.

O contexto tem sido favorável para aqueles que querem tirar nossos direitos. Nós estamos perdendo o jogo ao enfrentar essa situação de golpe e de um Congresso que representa as forças reacionárias que se fortalecem no contexto de golpe. O panorama é de mais desafios no campo institucional e também de ir para rua, fazer o debate. O contexto que nos fragiliza é o mesmo que nos faz lutar mais, ir para rua e fazer o necessário para mostrar para a população que esse governo precisa cair.

Parte da sociedade acredita que os jovens não são punidos atualmente ao cometer crimes. Além da restrição de liberdade, há medidas que poderiam ser aplicadas em meio aberto. Quais os desafios da aplicação delas?

As medidas socioeducativas fazem parte de um conjunto de políticas públicas de um sistema de garantias dos direitos das crianças e dos adolescentes. E, ao meu ver, o próprio Estado, boicota a possibilidade de executar uma política de garantias de direito porque ele reprime, persegue os adolescentes que estão sofrendo as medidas e, na educação, não garante matrícula. Esse jovem que passa por medida socioeducativa não é bem-vindo na escola, sofre discriminação. O Estado também o boicota na saúde, onde tanto o jovem quanto sua família não são atendidos, são classificados como bandidos.

Todas essas políticas públicas, saúde, segurança, cursos profissionalizantes, educação e assistência fazem parte de políticas socioeducativas que não dão a devida atenção ao que esses jovens estão vivendo. O momento de reconstruir suas vidas, ter oportunidades de trabalho, de educação. Toda juventude passa por isso, mas esse jovem em especial, marcado principalmente pela sua característica social e racial, é mais atingido. Porque ele enfrenta uma situação que outros jovens não enfrentam, o preconceito de ter passado pelo Sistema de Justiça e, muitas vezes, internação. A polícia, mesmo eles tendo 15, 16 anos, já os tratam como bandidos. Como se ele fossem irrecuperáveis.

As medidas já existentes seriam eficientes então?

Se essas políticas todas funcionassem, nós poderíamos trazer esses jovens para o nosso lado. Mas nós estamos perdendo esses jovens para o crime ou para a morte.

Edição: José Eduardo Bernardes

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