João Pedro Stédile é membro da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), ele compõe o Movimento há mais de 30 anos. Na entrevista ele fala sobre os desafios dos movimentos populares no Brasil e na América Latina, do papel da Frente Brasil Popular e da importância de uma Constituinte para a reforma política no Brasil.
Quais os principais desafios dos movimentos populares pata a construção da sociedade que queremos?
Nós vivemos uma conjuntura muito difícil porque a sociedade brasileira vive uma crise profunda de caráter econômico, político, social e ambiental. Nessa crise, as duas grandes classes sociais precisam encontrar um novo projeto para sair da crise. De um lado a burguesia que já mostrou a cara com o golpe com o seu projeto neoliberal e do outro lado a classe trabalhadora. E a classe trabalhadora então enfrenta muitos desafios para poder se posicionar melhor frente à crise. Primeiro ela precisa se mobilizar porque o teatro da política para classe trabalhadora é a rua, é a luta e infelizmente a maioria da classe trabalhadora ainda não se manifestou. Cabe aos Sindicatos, aos Movimentos, aos militantes instigar a mobilização de massas para que a classe vá para rua. Segundo desafio, nós temos que descobrir novas formas de comunicação de massa. O jornal Brasil de Fato é uma delas, há também pichação, a música, a panfletagem, a rádio comunitária, a tv comunitária. Eu sinto que falta mais vontade política de nós potencializarmos todos esses meios de comunicação alternativos que dialoguem com o povo. Terceiro, nós temos que aproveitar esses tempos de crise para retomar os processos de formação política, para que a militância tenha clareza do momento que nós vivemos e do que nós temos que fazer. Quarto, nós temos que discutir, sobretudo com os setores organizados da classe, que projeto nós queremos propor para o País, frente a essa crise que se aprofunda. Este é um tempo necessário para nós construirmos com a classe trabalhadora, o outro projeto para o País.
Qual a grande tarefa da Frente Brasil Popular nos próximos períodos?
A Frente Brasil Popular pode ser essa nova articulação, das várias mediações que a classe tem. Durante todo o século XX nós fomos resultado histórico da forma clássica da sociedade industrial se realizar. Agora com a crise do capitalismo, a derrota do capitalismo industrial e a hegemonia do capital financeiro, das transnacionais, isso embaralhou as formas de vida da classe trabalhadora e isso exige da esquerda mais criatividade nas novas formas da classe se organizar. A Frente Brasil Popular tem tido a sabedoria de juntar todas essas formas de sindicatos, movimentos, partidos, de juventude, igreja, pastorais, numa Frente Popular. Então todo mundo cabe na Frente, o desafio agora é como nós mantermos essa unidade. Somos mais de 60 movimentos e correntes partidárias. Nós precisamos que a Frente Popular se enraíze no meio do povo na proposta que nós temos de construir comitês populares da Frente. Em qualquer lugar que tenha trabalhador, não importa se ele é filiado ao sindicato, se está em algum partido ou não, qual é a religião dele... o importante é que nós organizássemos o povo.
Qual o lugar da Reforma Política no cenário atual?
Esse é um dos debates inclusive que ainda não têm unidade dentro dos Movimentos Populares, porque tem alguns setores da esquerda que acham que a solução é apenas convocar novas eleições presidenciais ou novas eleições gerais. Como palavra de ordem, pode ser interessante, pode ser motivador, da turma ir para a rua e debater. A maioria dos movimentos populares que estamos na Frente achamos que a única maneira de realizar uma reforma política verdadeira é uma Constituinte. Porque aí você elege novos deputados, com novas regras, sem influência do poder econômico e com mandato apenas para mudar o sistema eleitoral e que funcionaria paralelo a esse Congresso.
Qual a sua avaliação da ofensiva aos governos populares na América Latina?
Eu não gosto de usar a palavra “ofensiva”. O que nós estamos assistindo é que há uma crise internacional do capitalismo. E como o capitalismo, desde a década de 1990 para cá com o neoliberalismo se transformou no modo de produção hegemônico no planeta, a crise dele envolve todo mundo. As economias que estão na periferia do capitalismo, com é o caso da América Latina, do sul da Ásia e da África, são as que mais sofrem, porque então os capitalistas correm pra elas. O que a América Latina está sofrendo é uma ofensiva, não só governamental, é uma ofensiva do capital para se apropriar dessas riquezas e, evidentemente, quando encontra resistência dos governos eles procuram então incentivar as forças conservadoras locais para trocar os governos ou simplesmente força-se uma crise, assim como eles forçaram uma baixa do petróleo. O neoliberalismo, que é a proposta da burguesia, está em crise... olha o que está acontecendo no México, na Colômbia. O neodesenvolvimentismo que era, digamos, a proposta da esquerda brasileira dos governos Lula e Dilma, entrou em crise, na Argentina, no Uruguai, aqui. O próprio projeto da Alba que era aquela vocação de integração latino-americana que o Chavez representava – não só nós perdemos com a morte dele que era um líder de massas – mas a dependência da Venezuela do petróleo levou a que o projeto da Alba entrasse em crise também. Por último, o quarto projeto que é o socialismo que vem heroicamente sendo construído em Cuba, aqui na América Latina, também está passando por enormes dificuldades, sobretudo pelo caráter insular da economia cubana, que tem pouca capacidade de funcionar com recursos próprios. Cuba depende sempre de uma integração com outros países, como os outros países estão em crise, ela entra em crise também.
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