O Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária, que acontece neste mês de julho em Belo Horizonte (MG), recebeu mais de 120 inscrições de poetas da base acampada e assentada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de amigos do Movimento. Após uma pré-seleção, 60 poesias se classificaram e foram apresentadas ao público durante os quatro dias de Festival.
“O nível das inscrições estava altíssimo e foi bem difícil, mas chegamos nesse resultado final, que está lindo”, explica Dandara de Araújo, do coletivo nacional de cultura do MST, que organiza a mostra.
Sob o tema ”Versando Rebeldia”, a mostra de poesia optou por retirar o caráter competitivo, privilegiando a colaboração entre os artistas. “A equipe de seleção trabalhou muito para garantir que esse espaço aqui fosse uma mostra e não um processo seletivo, transformando em um espaço de colaboração e temos conseguido. Os intérpretes e os autores, participam da interpretação do outro, ajudam a construir a interpretação do outro e tudo está sendo muito coletivo”, afirma Dandara.
Ela comenta que a arte, dentro do movimento, tem sido decisiva para quebrar barreiras que estigmatizam as pessoas, dividindo-as entre trabalhadores e artistas. “É importante a gente romper com as cercas que o capital cria. Então o processo de construir contracultura é importante para romper essa barreira que separa quem pensa de quem faz, quem trabalha de quem é artista, para nós está tudo muito junto e a nossa arte brota da nossa vida”, diz.
Mulheres e a poesia de luta
A atriz Idylla Silva, 24 anos, é uma das inscritas no Festival. Ela não é militante do MST, mas viu o edital pela internet e percebeu que seu trabalho tinha identidades com a proposta artística de luta do movimento. “Decidi juntar minha arte ao movimento social, que acho que tem tudo a ver”. Idylla nasceu em Contagem (MG), mas veio para Belo Horizonte aos 17 anos, para estudar teatro na Universidade Federal de Minas Gerais.
Idylla se apresentou na quinta-feira (21), dia em que grande parte das poesias se focaram na questão da luta feminina. Com o poema “Guerrilha: Substantivo Feminino”, a atriz resume a mulher na luta camponesa. "Essa é a minha contribuição com o feminismo, pela arte, que é o que eu sei fazer. É a arte que me motiva a falar dessas coisas, é o disparo da minha arma".
Com a luta feminista ganhando cada vez mais espaço nos espaços de discussão, as poesias recitadas pelas mulheres camponesas não deixaram de lado temas como igualdade sexual, empoderamento feminino e a força das mulheres trabalhadoras rurais e urbanas. "Se um dia as mulheres se enfurecessem, não aceitariam que o Estado regesse seu corpo", diz trecho da poesia Adriana Novais.
A violência contra a mulher, assunto urgente na nossa sociedade, onde a cada 11 minutos uma mulher sofre abusos sexuais, também fez parte das apresentações, como na poesia de Nívea Sabino: “Nenhuma mulher mais, independente da cor, ficará calada enquanto houver outras violentadas”, diz um trecho da poesia.
Guerrilheira Substantivo feminino,
Aquela que participa de luta armada por causa ideológica,
geralmente em oposição ao regime estabelecido.
Aquela que está vestida com as roupas e as armas de Anita Garibaldi,
com os caminhos abertos pelas matas, campos, rios (…)
aquela que não deseja nenhum homem, aquela que deseja mulheres,
aquela que deseja homens e mulheres, aquela que não se importa,
aquela que não abaixa a cabeça que levanta a voz,
aquela mãe solteira que cria os filhos sozinha,
aquela que prefere ir mil vezes a guerra que parir uma só vez,
aquela que vive nas comunidades, nas aldeias,
aquelas do MST, aquelas que sobreviveram à lama das grandes mineradoras.
A atriz lembra que viver de arte impõe restrições, mas que não a impede de seguir com seu sonho. “Tem essa questão da relação da vida do artista, que não tem grana, mas acho que isso tem a ver com a motivação. O que me motiva a fazer arte não são essas questões vinculadas ao capital, é uma questão de amor pela arte”.
Para Idylla, “os femininos hoje estão muito fortes”, diz. “A insurgência feminina está permitindo que, cada vez mais mulheres possam se emancipar e promover a libertação, a revolução, uma corrente de sororidade. Eu acredito nessas relações de afeto entre nós”, completa.
Arte no Movimento Sem Terra
Na sexta-feira (22), uma nova leva de artistas subiram ao palco da Serraria Souza Pinto, uma das sedes do Festival, entre eles, Gustavo Garcia Palermo, de 22 anos. Morador do acampamento “17 de abril”, em Mato Grosso do Sul, Gustavo destaca que quem estimulou de fato sua arte foi o Movimento Sem Terra. “Me inseri no grupo de teatro Utopia, pioneiro dentro de áreas de assentamento do Movimento Sem Terra. Foi quando comecei a desenvolver essas questões artísticas dentro do próprio movimento”.
O militante do MST, que teve quatro poesias selecionadas para a mostra, não consegue se enxergar como artista. Segundo ele, esta é só uma etapa, das tantas funções que cumprirá dentro do movimento. “Não me vejo seguindo uma carreira artística na área do teatro ou da música, porque dentro do movimento a gente tem que desempenhar várias funções. Mas quero continuar com a arte dentro do MST. Se eu conseguir transmitir para dentro da nossa organização essas questões artísticas e poder contribuir com isso, já estou feliz”.
A parte mais importante do Festival e da mostra de poesias, segundo Gustavo, “é o diálogo com a sociedade”. “A gente não tem espaço na mídia para poder passar a nossa visão sobre o latifúndio, a questão agrária e muitas vezes as pessoas ficam com uma imagem ruim que é passada pela própria mídia. E a feira estreita esse diálogo entre o sem-terra e a população, além de mostrar nossa luta, nosso lado artístico, reconhecer o trabalho dos nossos cantadores e poetas”, explica.
Mostra de Poesia
A mostra segue com apresentações neste sábado (23) e domingo (24), na Serraria Souza Pinto. As poesias apresentadas durante o Festival serão reunidas em um livro (que não será comercializado), com previsão de lançamento ainda este ano, pela editora Expressão Popular. “Ele vai ser distribuído gratuitamente, porque a ideia é que o máximo de pessoas possíveis, dentro e fora das nossas áreas, consigam acessá-lo”, aponta Dandara.
“Para nós, é um processo muito novo e fundamental, essa transformação da poesia no Movimento, em uma coisa mais lúdica e menos instrumental, mais artística mesmo. O livro vai ser uma ferramenta importante para romper algumas barreiras. Ele vai ter muita ilustração, com elementos visuais, que se mesclem com as poesias”, comenta a militante do setor de cultura do MST.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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