O encerramento da primeira turma do Mestrado Profissional em Trabalho, Saúde, Ambiente e Movimentos Sociais, composto por educadores e militantes de diversas regiões do país, ocorreu nessa quinta-feira (14), na Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), no Rio de Janeiro. A iniciativa faz parte da implementação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). Organizado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), a formação teve como objetivo consolidar conhecimentos acerca do método científico, da teoria crítica, bem como desenvolver investigações relacionadas a diversos temas, apresentando uma visão ampliada do que é ter saúde.
“As dissertações defendidas mostram a riqueza e os desafios de nossa aposta. A militância e os movimentos sociais possuem saberes com os quais a academia precisa mais e mais dialogar para que, juntos e solidariamente, possamos avançar”, disse durante o evento Marcelo Firpo, coordenador do Mestrado junto a Ary Carvalho de Miranda, ambos do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP). Marcelo ressaltou que o desafio do viver humano seja uma permanente busca de sentido e dignidade. “Sem esta busca nos apequenamos, e a academia apequenada é espaço de alienação, acomodação e covardia. A saúde coletiva que buscamos viver não é pequena e não foge dessa incessante busca por conhecimento e dignidade”, defendeu.
Em discurso, ele lembrou, ainda, dos militantes mortos em luta no Brasil e em Honduras. “Segundo a CPT [Comissão Pastoral da Terra], ao longo de nosso curso ocorreram, só em 2014, 36 assassinatos por conflito no campo. Em 2015, foram mais 50 mortes ocasionadas por conflitos agrários, o maior número de assassinatos no campo dos últimos 12 anos. Fora do Brasil, em Honduras, também foi marcante o assassinato de Berta Cárceres em março de 2016”, completou.
O mestrado foi constituído a partir da parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), dentre outras instituições que lutam pela reforma agrária. O curso obteve 100% de aprovação nas 27 dissertações apresentadas. Franciléia Paula, que integra o programa da FASE em Mato Grosso, participou da turma intitulada “Primavera de Luta”, representando a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. Nesta entrevista, ela fala sobre sua pesquisa, realizada no Assentamento Roseli Nunes, e sobre a experiência do curso no atual contexto político do país.
Qual foi a visão de saúde nos estudos da turma?
Ao longo de dois anos, a gente viu a saúde com um olhar ampliado. Nessa concepção, a saúde não é apenas a ausência de doença, mas está relacionada a todo um contexto, ao atual modelo de desenvolvimento. No meu caso, verifiquei como a agroecologia contribui e se aproxima desse olhar sobre a saúde, do bem estar e dos aspectos do trabalho. Fiz a pesquisa junto a assentados da reforma agrária, construímos um processo metodológico de implantar territórios livres de agrotóxicos e de transgênicos. Esse debate se associa a uma decisão política. Trata-se de uma negação a um modelo de desenvolvimento que desapropria terras, contamina os solos, as águas, promove o trabalho escravo.
Você integrou a turma representando a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Como foi isso?
A minha atuação na Campanha tem a ver com pensar alternativas ao uso de venenos, mas, sobretudo, a uma contraposição ao modelo do agronegócio. Enquanto campanha, um dos pontos interessantes é o anúncio da agroecologia. Chegamos ao mestrado com a perspectiva de construir possibilidades de articulação com outros movimentos sociais para poder fortalecer essa construção teórica, engajada e científica de se fazer pesquisa. Todo mundo tem uma participação ativa nas suas organizações de base, e trazer isso para a academia foi um desafio muito grande para a turma, que foi formada tanto por trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) como por militantes de vários movimentos sociais.
No contexto pelo qual passa o país, qual é a importância dessa iniciativa?
Foi um avanço para os movimentos sociais termos essa turma. A FioCruz abriu essa oportunidade e foi parceira nesse processo de construção. Agora, frente ao contexto político que a gente se encontra, não temos muitas certezas sobre a continuidade [do mestrado]. No encerramento, a diretoria da ENSP se colocou à disposição para dialogar e formar uma nova turma, mas também colocou as limitações frente ao golpe e o fortalecimento das forças de direita.
Sobre a sua pesquisa, poderia falar sobre os “territórios livres de agrotóxicos e transgênicos”?
Fiz um estudo de caso para entender o processo de autodeclaração do Assentamento Roseli Nunes [em Mirassol D’Oeste, no Mato Grosso] como um área livre de agrotóxicos e transgênicos. Para verificar em que esse conceito contribui com a saúde. A partir do momento que a comunidade começa a implantar esse ‘território livre’, está criando estratégias para promover a agroecologia, para promover a saúde no território. Um dos grandes resultados foi criar um processo metodológico participativo, que foi construído junto à comunidade. Lá existe uma área de produção agroecológica há mais de 10 anos. Algo interessante de se falar também é que a pesquisa inclui a discussão da PNAPO [Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica], já que os territórios livres de agrotóxicos e transgênicos estão previstos na Política e também no Pronara [Programa Nacional para a Redução de Uso de Agrotóxicos], que nem chegou a ser lançado. Então, faço a discussão da Política e do Programa, relacionando os dois ao contexto atual, tendo em vista que vivemos um momento grandes retrocessos no país.
Gilka Resende e Rosilene Miliotti são jornalista da FASE.
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