A qualidade da formação técnica ainda é considerada inferior à universitária pelo senso comum, e essa noção é reproduzida por boa parte dos brasileiros. Entretanto, professores e especialistas em áreas mais práticas, como em algumas de tecnologia, consideram os profissionais tecnólogos mais aptos a crescer na carreira do que os bacharéis da mesma área.
Segundo José Vagner, instrutor do curso de Redes de Computadores da Escola de Informática do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em São Paulo, há uma diferença muito grande na qualidade dos alunos que fizeram curso técnico em relação aos do ensino tradicional.
"Em redes de computadores nós temos uma variedade muito grande de áreas de atuação. É um leque imenso de oportunidades e tecnologias que os profissionais têm que conhecer e podem atuar. E, dessa forma, o mercado de trabalho e as empresas exigem uma grande flexibilidade. Eu trabalho também como professor universitário e consigo ver essa diferença entre o técnico e o aluno da escola normal, até mesmo em relação ao crescimento nas empresas. Para os alunos de formação técnica a curva de crescimento é muito mais rápida", afirma o professor.
A Escola de Informática do Senai em São Paulo oferece, além do curso técnico em Redes de Computadores, o técnico em programação. Para Alexssandro Augusto Reginato, diretor da unidade de informática, o diferencial é que os cursos têm uma carga prática muito grande.
"Os cursos são 'mão na massa', como a gente costuma dizer. O aluno aprende fazendo, executando demandas de projetos. Além disso, outro diferencial é que todos os cursos técnicos nascem a partir de um Comitê Técnico Setorial, formado por representantes das indústrias, ou seja, as pessoas das empresas que irão receber os nossos alunos, no qual é feito todo um estudo para ver quais serão as competências e habilidades abordadas", disse Alexssandro.
Trabalho
O supervisor de Avaliação Educacional do Senai-SP, Fabrício Ramos da Fonseca, destaca que a demanda do mercado para esses profissionais têm crescido muito, sendo relacionada com a produção de cada região do país. "Por ter um perfil mais aplicado, o tecnólogo tem papel estratégico dentro da indústria, principalmente no estabelecimento da ligação entre o nível estratégico e o tático. Desta forma, a oferta dos cursos caminha alinhada à demanda de cada estado e região. Cursos com baixa demanda, usualmente, são descontinuados ou reformulados para se adequarem à necessidade do mercado", explicou o supervisor.
O Senai São Paulo, por exemplo, atua principalmente no preparo de profissionais para as áreas técnicas de alimentos, automação, eletroeletrônica, automotiva, gráfica, processos ambientais, mecânica, metalurgia, vestuário e plástico.
Histórias de vida
As possibilidades profissionais oferecidas pela instituição se tornam cada vez mais abrangentes, principalmente na área de tecnologia. Nas primeiras décadas de existência, entretanto, os cursos do Senai abrangiam apenas as áreas de metalurgia, mecânica geral e marcenaria.
O metalúrgico aposentado Eduardo Marin se formou no Senai nos anos 1970. Ele relata que o curso foi muito importante para sua profissionalização. Marin é peruano, veio para o Brasil pouco antes de se formar no ensino secundário e prestou a prova do Senai por incentivo dos parentes.
"Sou da época que tinha muito serviço, eu me aposentei na profissão. A gente saía de uma firma e já arrumava outro emprego rapidinho. Os anos 70 foram politicamente muito tristes, mas economicamente teve o tal 'milagre' industrial, o que foi muito importante para formar profissionais técnicos", relatou.
"O Senai era muito comentado, muitos jovens queriam entrar porque o ensino era considerado excelente, com professores aposentados que vinham da rede pública. Era uma saída, naquela época, para as classes mais carentes, porque entrar na faculdade naquele tempo é para quem tinha muito dinheiro", contou Marin.
Ele acredita também que os cursos técnicos profissionalizantes do Senai ainda são poucos para a demanda do Brasil: "Acho que deveria ter mais escolas profissionalizantes, dado o tamanho do país. As indústrias estão sempre contratando".
O aluno Gustavo Wanderley da Silva se forma neste semestre na primeira turma do novo curso de Tecnologia em Mecatrônica Industrial, no Senai de Recife. O curso é um exemplo das inovações tecnológicas na área industrial e das novas possibilidades profissionais dos cursos técnicos.
"O curso é curto, mas bem completo. Todas as cadeiras que a gente viu são as mesmas de cursos superiores. Nessa região tem muitas oportunidades em indústrias para pessoas que fazem curso de mecatrônica, o que facilita bastante a inserção no mercado de trabalho. E o Senai tem nome até internacionalmente, ele dá suporte e te leva para dentro da parte fabril”, opina.
Gustavo já é técnico em mecânica, e por necessidade de um curso mais completo, decidiu prestar mecatrônica. O estudante optou por criar a própria empresa e junto com colegas coordena uma empresa de fabricação de máquinas para 3D, oferecendo seu serviço para indústrias e outras fábricas. "A perspectiva de mercado é boa, o futuro é bem promissor nessa área", concluiu.
Serviço
O Senai é uma instituição privada sem fins lucrativos de capacitação profissional e é integrado à Confederação Nacional das Indústrias (CNI). Os cursos oferecidos buscam a capacitação profissional de jovens desde sua inauguração, em 1942, em diferentes modalidades. A formação técnica, no entanto, é a marca da instituição, que se tornou referência na área.
O Senai possui 518 unidades fixas no Brasil, 504 unidades móveis e também sedes em países como Angola, Cabo Verde, Guatemala, Paraguai e Timor Leste. Assim, a complexo é um dos cinco maiores complexos de educação profissional do mundo, e o maior da América Latina.
O ingresso nos cursos são realizados por meio de processo seletivo que avalia conhecimentos referentes ao ensino médio. No entanto, a partir do próximo semestre o processo envolverá também uma entrevista visando averiguar a vocação do candidato para a área à qual se candidatou e seu potencial para pesquisa, desenvolvimento e gestão.
*Esta série de reportagens foi produzida em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi).
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