“Maricá tá muito chique, tem até japoneses vindo pra cá”, disse um garçom de um restaurante no centro do município ao se deparar, na realidade, com dois sul-coreanos. Além dos palestrantes estrangeiros, entre o público de cinco mil pessoas do Festival da Utopia, que ocorre até o domingo (26) no município, militantes de 105 organizações de 40 países participaram do evento.
Juyong Jung, 28 anos, veio da Coreia do Sul. Ele é membro do Korean Peasant League (Liga Coreana de Camponeses), organização que integra a Via Campesina Internacional. Com o auxilio da sua intérprete que o traduz para o inglês, ele afirma que está impressionado com a juventude da América Latina, África e até mesmo de outras regiões da Ásia. "Estou feliz por conhecer cada pessoa neste festival", disse timidamente.
Já Umut Kocagöz, 29, delegado da Çiftçi-Sen, um movimento de pequenos agricultores, é da Turquia. “Estamos aqui para discutir um mundo melhor e como alcançar outro mundo que não seja do capitalismo, do imperialismo. É muito importante e animador estar aqui. Espero que esta articulação nos leve e contribua com novas lutas ao redor do mundo pela juventude, pelos sem-terra”, defendeu.
Ambos participaram do Encontro Internacional da Juventude em Luta, na Escola Joana Benedicta Rangel, centro da cidade; uma reunião que pode render frutos e se transformar em uma entidade permanente, aposta Umut.
Uma das representantes estadunidenses, Erica N. Willians, 33, é embaixadora da Poor People's Campaign, cujo principal objetivo, diz a ativista, é atuar com pessoas em pobreza em uma tentativa assegurar que elas tenham direitos iguais, como condições justas de moradias e auxílio-saúde.
Willians é ativista desde os 8 anos. A razão é a militância de seus avós, engajados em movimentos de justiça social nos EUA. "Eu cresci vendo meus avós ajudando as pessoas que procuravam emprego... Então isso está no meu sangue. Conforme fui crescendo, criei mais paixão pela luta pelos direitos humanos", conta.
A ativista americana viajou até o Brasil por entender que ambos os países estão unidos quando negros e pobres são oprimidos e mortos todos os dias. "Está sendo uma experiência incrível conhecer pessoas de todo o mundo e nós descobrimos, neste encontro, que nossas pautas são as mesmas. Eu conheci muitos mexicanos e pudemos conversar sobre quais condições os pobres vivem lá e são as mesmas lutas dos estadunidenses. Nós estamos prontos para a mudança, há de haver alternativas", afirmou a ativista negra.
E este é o mesmo sentimento de Saahira*, de 29 anos. Ela pontua que a aproximação com movimentos internacionais a faz perceber as semelhanças entre os países que acreditava serem muito distintos.
"É importante estar aqui com todas essas pessoas para aprender com suas experiências e entender que lutamos contra os mesmos inimigos. Com toda essa energia potente que sinto aqui, sinto como se estivesse na Palestina. Todos querem mudança, justiça e lutam por uma vida melhor, por algo diferente", relatou.
Ela, que milita em um coletivo de mulheres, explica que conheceu o festival através da relação que seu grupo mantém com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que também organiza o evento. "Defendo a luta das mulheres em todo o mundo. Muitas têm sido mortas na Palestina apenas por serem mulheres. Tentamos conscientiza-las sobre a situação e seu papel nessa construção”, disse.
A jovem palestina é de um pequeno vilarejo onde a cultura machista pode ser ainda mais opressora, diz. “Mulheres muito jovens não podem continuar seus estudos por causa de casamentos arranjados”, exemplificou. Ela conta que sua mãe, também ativista, foi uma grande referência para que ela frequentasse espaços feministas. “E agora estamos tentando fazer com que essa experiência esteja viva de novo. Há histórias de adolescentes palestinas que são presas e sofrem com abusos e torturas”, relatou.
Também combatendo o patriarcado, a indiana Sima Ganguly, almoçava no ginásio da cidade de Maricá quando contou que o significado de seu nome é "limite". A escolha foi feita quando seus pais, uma família muito conservadora, souberam que ela era uma menina. "Mas costumo dizer que estou além de todos os limites", brincou.
Ela veio ao Brasil para partilhar experiências do coletivo de artes cênicas Jana Sanskriti, grupo que é referência mundial em utilizar a metodologia do teatro do oprimido. "Encontros como esse são essenciais para que a gente se conheça. De alguma maneira, nossa família se expande", disse.
O coletivo surgiu quando um grupo de militantes que romperam com o Partido Comunista da Índia, o PCI-M, decidiu criar um movimento de massa no campo. Através do teatro, eles passaram a atuar no campo político e se comunicar com os camponeses - hoje ela estima que a base do movimento seja de 20 mil trabalhadores rurais.
Entre o grupo de mexicanos, estava Omar Garcia, um dos estudantes da escola Normal Rural de Ayotzinapa. Em setembro de 2014, 43 companheiros de Garcia desapareceram rumo à Ciudad de México, onde participariam de um ato em memória de um massacre contra estudantes em 1968. A polícia municipal horas antes havia interditato e baleado o transporte dos estudantes. Hoje o estudante denuncia o caso que ainda não foi esclarecido.
“Há várias investigações, não há uma verdade sobre onde estão nossos companheiros. Passaram-se seis meses desde aquela data e seguimos lutando. Por isso, estou aqui no Festival da Utopia. Acredito que em todos os lugares existe coisas ruins acontecendo e governos nefastos”, disse.
Para ele, os recentes casos de repressão e assassinatos cometidos pelo governo mexicano, como o uso da força contra professores em luta em Oaxaca que deixou 10 mortos, são parâmetros de como a violência é intrínseca ao estado. Por isso, a interseção dos movimentos seria uma articulação de movimentos.
É o que também afirma a argentina Silvana Broggi, 29 anos, militante do Movimento Popular Pátria Grande. "Estamos procurando estruturar uma articulação, uma proposta que nos fortaleça como jovens inseridos no contexto da América Latina, mas do mundo no geral. Sentimos cada vez mais forte as opressões do capitalismo, imperialismo, em nossos territórios, sob nossos corpos", afirmou.
Segundo ela, o compartilhamento de experiências no encontro animam a juventude a buscar soluções também coletivas. “Isso nos abre a cabeça e as perspectivas para nos mostrar que os projetos coletivos são a saída. São os que têm cada vez mais chance para ganhar do imperialismo, a chuva de opressões”, concluiu.
*Nome fictício para preservar a identidade.
Edição: Simone Freire.
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