Em meio à ocupação autônoma dos aprendizes da Fábrica de Cultura do Capão Redondo, na zona sul da capital paulista, os educadores da instituição decidiram entrar em estado de greve, e a paralisação deve ocorrer nesta quinta-feira (23).
Eles denunciam o sucateamento e a ingerência da Poiesis, organização social (OS) que administra os processos pedagógicos de cinco unidades das Fábricas na cidade. A decisão foi tomada pelos funcionários sem intermédio de nenhum sindicato.
Segundo os docentes, a instituição anunciou corte de verba e de funcionários, redução de horas de planejamento e da duração das atividades.
O corpo de arte-educadores em greve das unidades de Brasilândia, Capão Redondo, Jaçanã, Jardim São Luís e Vila Nova Cachoeirinha exigem equiparação salarial, reintegração dos funcionários demitidos e retratação pública da Poiesis perante os aprendizes em luta e todas as comunidades atendidas.
Demissões
Na segunda-feira passada (13), a ex-diretora do Projeto Espetáculo, a atriz Daniela Biancardi, foi desligada da unidade do Capão Redondo.
A justificativa seria de que a atriz não teria perfil compatível com o projeto. Mas os educadores alegam que a medida está inserida em um contexto de cortes de funcionários e também pode ser um "aviso" aos funcionários que estavam em movimento de contestação desde o ano passado.
Daniela, que já participou de iniciativas culturais como o Arte contra a Barbárie, importante no cenário teatral de São Paulo, conta que participava ativamente de assembleias na instituição. Para ela, seu afastamento pode ter cunho político, já ela que não houve nenhuma reclamação quanto ao seu trabalho.
"Eu intuo que a implicância dos dirigentes é de me ver contribuindo em assembleias dos educadores, que têm discursos mais coerentes do que os da administração fraca que eles vêm realizando", disse.
Segundo ela, cortes e mudanças nos contratos foram assumidamente feitao pela instituição para contornar o déficit orçamentário, sem "nenhuma preocupação com recursos humanos".
Aprendizes
Os aprendizes que estão no edifício no Capão também enxergam a demissão como uma forma de deslegitimar e encerrar a ocupação do prédio, que já dura quase um mês. A atriz reitera que o movimento dos aprendizes é autônomo e que os educadores não influenciam nem participam de decisões. Mas muitos apoiam. "Eu apoio todo o exercício de militância contra abusos de poder e a ingerência nas políticas públicas", declarou Daniela.
Para o aprendiz André*, 19, as ações da Poiesis mostram "desespero" para tomar atitudes para encerrar a ocupação.
"Entendemos que nossas reivindicações vão precisar de um tempo para ser atendidas, porque são coisas difíceis. Porém há coisas que a Poiesis pode fazer para melhorar o diálogo com a gente", disse. O único contato que a instituição vem tendo com os adolescentes, segundo eles mesmos, é por meio de notas oficiais.
André revela que a desocupação será feita de imediato se a instituição atender às exigências dos aprendizes e educadores.
Justificativas
A Poiesis nega veementemente as acusações. Segundo a organização, a Fábrica de Cultura do Capão tem 61 funcionários e apenas 3 foram demitidos desde o ano passado, sendo que um foi dispensado por mau atendimento ao público e dois funcionários da biblioteca serão realocados.
Quanto ao desligamento de Biancarda, a organização justifica que ela que "estava em período de experiência não foi efetivada, porque a avaliação feita sobre seu desempenho recomendou isso. Esse é um procedimento comum em qualquer empresa e previsto na CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas]".
"Ressaltamos que não tem havido demissões na Fábrica como os aprendizes estão dizendo. Demissões, contratações e promoções são eventos rotineiros em qualquer tipo de empresa (...) O repasse que a organização recebeu neste ano para o projeto é o mesmo do ano passado", diz trecho da nota enviada através da assessoria de imprensa.
Mas o colega de trabalho da atriz na unidade do Capão, o educador Rafael*, aposta que a demissão é uma forma de retaliação. "O caso dela foi visivelmente uma tentativa de criar pânico e medo entre os educadores. Não havia razões para mandá-la embora. É rídiculo", disse.
O afastamento da educadora ocorreu um dia após a divulgação de uma conversa em que um funcionário da Fábrica diz que para o "Dr. Clóvis" [Carvalho, presidente da Poiesis] a "reintegração urge" e que os "insatisfeitos" deveriam ir para rua, pois "não precisa ser terrorista para ser educador". A imagem foi publicada na página Aprendizes de Olho.
Insatisfação
A demissão de Daniela se insere em um contexto de insatisfação crescente dos educadores e aprendizes com o modo com que a OS vem administrando as Fábricas de Cultura.
Rafael afirma que funcionários vêm sendo demitidos também nas outras cinco unidades. Segundo ele, desde o semestre passado, a Poiesis vem "coagindo" e "desarticulando" os educadores que tinham afinidades em comum e que questionavam estrutura da instituição, não só política como pedagógica.
"Uma carta já foi escrita no ano passado pelos educadores que denunciava o assédio moral de um dos supervisores. Alguns até deixaram o trabalho por causa de perseguições", denuncia. Segundo ele, mesmo informada, a OS não tomou nenhuma medida quanto ao caso.
"A gente já vinha notando um declínio dos processos pedagógicos de maneira mais intensa, e os educadores perceberam que o fato de estarem divididos prejudicava os processos pedagógicos. A equipe não se encontrava, não conseguia conversar nem articular mais nada", disse.
Segundo ele, esse ambiente de decepção entre os educadores aliado à alteração de horário da biblioteca sem consulta à comunidade culminou na ocupação do prédio pelos aprendizes.
O que são Fábricas de Cultura?
Projeto vinculado à Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo, as Fábricas de Cultura têm o objetivo de "ampliar o conhecimento cultural por meio da interação com a comunidade" por meio de programação e formação cultural gratuitas aos jovens das comunidades onde estão localizadas.
*nomes fictícios
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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