Cerca de 70% dos alimentos in natura consumidos no Brasil estão contaminados por agrotóxicos. A informação foi apresentada pelo Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, que ocorreu na última semana no Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Karen Friederich, doutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), ministrou uma palestra no evento e explicou que várias combinações de agrotóxicos utilizados na produção de alimentos não são sintetizadas nas pesquisas e, portanto, não se sabe seu verdadeiro efeito na saúde da população.
Para ela, um dos problemas é que não há orientações para os agricultores e, por isso, eles usam essas substâncias, o que acaba atingindo a maior parte da população. O ideal seria que houvesse incentivo governamental para que os produtores mudassem seu modelo de produção.
"A única maneira de não se contaminar é consumir alimentos orgânicos e o agricultor transitar com incentivos para esse modelo limpo de produção, que é o mais seguro", explicou a doutora. Ela também avalia que as pequenas propriedades produzem a maior parte dos alimentos consumidos no Brasil e, "por isso, devemos apoiar a agroecologia e a reforma agrária. Só assim teremos a segurança alimentar”, enfatiza Karen.
Ela lembrou que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo e reforçou que houve um aumento no uso dessas substâncias desde que foram liberadas as sementes transgênicas no território nacional.
Em média, segundo foi apresentado, os brasileiros consomem 7,5 litros deste tipo de substância por ano. O maior vilão é o glifosato, que, além de ser o mais consumido, é um provável cancerígeno, segundo informou a especialista em saúde pública
Doenças
Karen explica que o contato dos agricultores com agrotóxicos durante o cultivo de alimentos pode gerar doenças como depressão seguida de suicídio.
“Os casos de contaminação [por agrotóxicos] não são notificados, mas atingem a maior parte da população, gerando alterações reprodutivas, má formação fetal e efeitos sobre o sistema imunológico". contou Friederich.
Por outro lado, a maior parte do uso dos agrotóxicos não está diretamente ligado à produção de alimentos. Cerca de 70% das substâncias usadas são destinadas à cultura de milho, soja e cana-de-açúcar. “Isso vem diminuindo, inclusive, no cultivo de arroz, mandioca e feijão”, explica a doutora.
Pulverização
O problema, no entanto, é que a exposição não acontece apenas com o produtor que cultiva os alimentos. Em processos de pulverização aérea (que usa aviões agrícolas para despejar agrotóxicos em grandes plantações), comunidades, rios e florestas próximas podem ser afetadas.
O deputado estadual Edegar Pretto (PT-RS) apontou que apenas 30% das substâncias despejadas de avião chegam ao local-alvo e o restante, 70%, pode se dispersar e atingir propriedades vizinhas.
Pretto, que é coordenador da Frente Parlamentar Gaúcha em Defesa da Alimentação Saudável, citou que o Instituto Nacional do Câncer informou que a doença pode estar ligadada ao uso de agrotóxicos. O parlamentar defende a necessidade de haver mudanças no modelo de produção.
Investidas do agronegócio
Um dos temas lembrados foi o PL (Projeto de Lei) 3200/15, de autoria do deputado Covatti Filho (PP-RS) que tem como objetivo mudar o nome de "agrotóxicos" para "fitossanitários" e "produtos de controle ambiental", e é avaliado como uma tentativa de "maquiar" os efeitos das substâncias na saúde da população.
O analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) Fernando Falcão informou que membros da comissão de fiscalização do Fórum Gaúcho sofrem ameaças e pressões políticas para que os trabalhos de investigação contra os agrotóxicos se encerrem.
De acordo com o analista, em 2015, uma única operação que reuniu esforços do Ibama, da Polícia Rodoviária Federal e da Receita Federal apreendeu mais de dez toneladas de agrotóxicos contrabandeados no Rio Grande do Sul.
“Agrotóxico contrabandeado é algo grave. Os produtores estão adquirindo produtos proibidos, e muitas vezes essa situação é tratada de modo superficial na instância judicial. Outro problema que enfrentamos é a ocultação das consequências negativas do uso de venenos”, afirmou.
A produção agroecológica é vista com bons olhos pelos envolvidos no Fórum. O agricultor Juarez Pereira, que produz alimentos sem agrotóxicos há mais de 20 anos explicou os seus motivos por optar por essa forma de produção.
“Do lado dos agrotóxicos, temos um quadro absolutamente inverso e de muita tristeza, que vem junto ao alimento que a população recebe em massa na cidade. Os agrotóxicos geram má qualidade de vida [...]. A terra produz com abundância, mas com os venenos o ser humano perde a capacidade de perceber essa abundância e sua generosidade”, contou o agricultor.
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