Editorial

O golpe com a bunda exposta na janela

Reação popular é portadora de um novo projeto

Belo Horizonte |
Elites tentam apagar o passado e construir legitimidade para golpe
Elites tentam apagar o passado e construir legitimidade para golpe - Daniel Pxeira

Os caminhos e razões do golpe já estão aí para quem quiser ver. As ligações telefônicas gravadas por Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro) foram realizadas em março, antes que o processo de impeachment passasse pelo episódio grotesco e vergonhoso de votação na Câmara dos Deputados. Com Dilma afastada, 23 dias após o processo ser admitido no Senado, somente agora as gravações são reveladas. Por telefone, Machado fala com Romero Juca, José Sarney e Renan Calheiros, todos da cúpula do PMDB, sobre o processo de articulação para o golpe, mediante afastamento de Dilma. Os objetivos estão explícitos nas conversas, passam por blindar políticos de acusações sobre corrupção (até quem está “com medo” por estar citado em cinco delações, como Aécio Neves), parar as investigações da operação Lava Jato e retomar a agenda de medidas neoliberais.
Toda motivação do processo, pela voz reveladora de seus principais articuladores, evidencia a natureza do novo golpe em curso. Mesmo o povo brasileiro não tendo “cara de panaca” e “jeito de babaca”, as tentativas de explicações apresentadas pelos articuladores do golpe parecem acreditar no seu inverso.
Mas vale lembrar que no plano inicial este não era o caminho a ser percorrido. Aluísio Nunes (PSDB-SP), que realiza viagens frequentes aos EUA para construção de relações bilaterais, disse que não queriam o golpe, mas “sangrar a Dilma até 2018”. Agressão inaceitável que, por estar baseado na tirania do machismo, do ódio e da violência, possui vínculo aos crimes brutais, ocorridos contra jovens mulheres no Piauí e Rio de Janeiro na semana passada.  Encontrando-se ameaçado e por vingança, autorizando e conduzindo o impeachment na Câmara, Eduardo Cunha tomou como atalho a rota do impeachment.
As ações golpistas miram os interesses do povo. O conjunto de medidas adotadas e anunciadas pelo “governo interino” de Michel Temer, impondo restrições aos programas sociais (Minha Casa Minha Vida, Prouni, Bolsa Família, Mais Médicos) e articulando projetos que retiram direitos da aposentadoria e dos trabalhadores (como na aprovação da terceirização generalizada e da primazia do negociado sobre o julgado) certamente acumulará insatisfações.
Como sabem que mentiras têm pernas curtas, em pouco tempo avançarão sem tréguas para implementar medidas estruturais. Impuseram um rombo de R$ 150 bilhões no orçamento, o Fundo Soberano de R$ 2 bilhões será liquidado e outros recursos orçamentários, destinados pela Constituição Federal de 1988 obrigatoriamente para os serviços públicos de saúde e educação, poderão ser flexibilizados ou extintos. No mesmo ritmo, todas as reservas do pré-sal e a Petrobrás, patrimônio do provo brasileiro, serão entregues à volúpia gananciosa dos interesses de empresas transnacionais. Será, enfim, o triste enterro do enredo de sonhos de “ser um cidadão, de ter plenos direitos, de viver uma nação”.
Caso o percurso do atalho permaneça espinhoso e com riscos de fracasso, seguirão mantendo seus objetivos, apontando a continuidade e consumação do golpe por outros meios, como através da antecipação das eleições presidenciais, repetindo, assim, o percurso dos recentes atentados à democracia, realizados por forças conservadoras e reacionárias contra os presidentes eleitos Manuel Zelaya, em Honduras (2009), e Fernando Lugo, no Paraguai (2012). Sobre as mesmas bases do atual sistema político, que segue aprisionado pelo poder econômico e a grande mídia, induzido pela corrupção e apartado do controle social e da decisão soberana do povo brasileiro, buscarão pelas eleições um pacto das elites para “passar a borracha” sobre o passado e dar ares de legitimidade ao golpe.
Mas, antes, as ocupações, praças e ruas já são tomadas por insatisfeitos exigindo “FORA TEMER”. A Frente Brasil Popular convoca a organizar a resposta ao golpismo mediante a criação de comitês (de cultura, igrejas, sindicatos, universidades e bairros, entre outros), ao passo que retoma a discussão dos caminhos e do projeto popular que queremos para o país.
É, Leonardo Boff ganha razão. Na medida em que os pobres avançam na compreensão do que está por destras das máscaras midiáticas e das intenções dos golpistas, insurgirá uma reação popular que não caberá nas ruas. Poderá converte-se numa força social portadora de um novo projeto.

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