O governo provisório de Michel Temer completa 19 dias hoje (30), mas a semana começa, como a terminou a passada: com o presidente interino envolvido em apuros, sendo protagonista de situações negativas no cenário político e tendo de conviver com vaias e impopularidade por conta dos impactos das medidas econômicas anunciadas. Temer conseguiu passar num único teste ao longo da semana, no Congresso Nacional, com a aprovação da proposta de alteração da meta fiscal do governo. Mas, em poucos dias de mandato, ele já precisou trocar um ministro, reverter embrulhadas e declarações desconfortáveis de integrantes da sua equipe e ainda recuar de decisão e voltar a criar uma pasta que havia suprimido: a da Cultura.
O presidente interino precisará, daqui em diante, de contar com forte apoio da base de sustentação ao seu governo no Legislativo para aprovar as medidas para melhoria da economia que anunciou, consideradas duríssimas e prejudiciais para a classe trabalhadora, além de apontarem para a privatização irrestrita, conforme já analisaram economistas e sindicalistas.
Para levar adiante seu plano de governo, apesar da interinidade, Temer precisa que as medidas passem pelo Congresso. E como muitas delas consistem em propostas de emenda à Constituição (PECs) dependem de dois terços do total de votos da Câmara e do Senado, certamente a empreitada será bastante difícil.
"A impressão que se tem é que, para conseguir levar a cabo as suas propostas, o grande investimento dele (Temer) está no trabalho pelo apoio do Legislativo, sem muita preocupação com a popularidade neste momento", afirmou o analista político Alexandre Bandeira, diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos no Distrito Federal (Abcop).
É uma situação delicada, em meio a uma base legislativa que pode rachar a qualquer hora, com as denúncias que envolvem caciques do PMDB na Lava Jato e que colocam a legenda do presidente no epicentro do escândalo de propinas nos contratos da Petrobras.
O primeiro estrago das gravações das conversas entre o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, e figuras de ponta do PMDB foi a derrubada de Romero Jucá (RR) do cargo de ministro do Planejamento. Mas Machado também conversou (e gravou estas conversas) com o senador Renan Calheiros (AL) e o ex-senador e ex-presidente José Sarney (AP).
Jucá e Machado falam claramente em bloquear a operação Lava Jato, sobre se fazer um "pacto" para barrar as investigações, tirar Dilma do poder e colocar Temer no lugar. E a presidenta afastada, Dilma Rousseff, já disse que usará estes áudios, principalmente o das declarações dele (Jucá), na apresentação da sua defesa no Senado, porque considera que está provada a ilegalidade do processo de impeachment contra ela de uma vez por todas.
Para completar, por ter esperado para que Jucá pedisse licença do cargo, numa forma de "saída honrosa" para um dos seus principais aliados, Temer foi motivo de piada entre lideranças partidárias que brincaram durante a sessão de terça-feira dizendo que ele tinha falhado num dos primeiros ensinamentos da política. "Ele faltou a esta aula. Não se pode colocar como ministro, um aliado que você não pode demitir", disse um senador que hoje faz parte da base de apoio ao Palácio do Planalto.
Vaias no Congresso
Como se não bastasse tudo isso, ao dirigir-se pessoalmente ao Congresso "com a cuia na mão", para pedir apoio para a aprovação da mudança da meta fiscal, Temer despertou em alguns um sentimento de fraqueza, já que tinha tratado do assunto várias vezes, durante reuniões com parlamentares na semana anterior.
Temer ganhou, entretanto, uma das batalhas travadas: a aprovação da mudança da meta de ajuste fiscal. Mas a matéria foi aprovada em meio a muito debate e ao reflexo das medidas de ajuste da economia anunciadas no mesmo dia. A alteração do déficit fiscal do governo, de R$ 96 bilhões para R$ 170,5 bilhões foi chamada por muitos deputados e senadores, como o líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), de "irresponsabilidade fiscal".
"A proposta aumenta a previsão de déficit, projeta futuramente uma frustração de receita e retira a destinação de gasto do Minha Casa, Minha Vida, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Água para Todos, da ampliação da oferta de vagas de universidades", reclamou. "Portanto, é o paradigma da irresponsabilidade fiscal, é um cheque em branco para que o governo ilegítimo gaste como quiser, sem se comprometer com a continuidade dos programas em andamento e com a conclusão das obras iniciadas", acrescentou Florence.
"O objetivo é consertar os estragos que foram feitos pelo governo anterior nos últimos anos, rebateu o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). "É preciso dar um crédito de confiança no novo governo para arrumar a casa", acentuou o parlamentar.
A grande espada sobre as costas de Temer de verdade, segundo especialistas em políticas públicas, diz respeito a possíveis mudanças a serem feitas na reforma administrativa planejada e realizada por ele e seus principais assessores. Uma decisão do ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que avalia pedido do PDT para que sejam revertidas tais mudanças, está caminhando e com certa celeridade.
Barrozo deu um prazo de cinco dias para que Temer se pronuncie – o que acaba amanhã (31). Dependendo do resultado do julgamento pelo tribunal, vários atos do Executivo realizados nos últimos dias podem ser cancelados. Desde funções privativas de Presidente da República, como nomeação de ministros, fusão e extinção de ministérios e alteração de políticas externas, passando por implementação de reformas tributária e previdenciária, venda de empresas públicas, extinção e redução de programas sociais. Até mesmo a anulação de atos praticados por Dilma Rousseff durante o exercício regular do seu mandato podem ser revertidas.
A outra espada, que também pode repercutir negativamente para ele, é o julgamento a ser feito pelo STF sobre a acusação de "golpe" por parte de Dilma. O Tribunal pediu à presidenta afastada para se explicar sobre os motivos pelos quais considera que houve um golpe no país e não um afastamento do seu mandato, conforme o que está previsto pela Constituição.
A palavra "golpe" foi bastante contestada pelos magistrados, inclusive os da mais alta Corte, nos últimos meses e não se espera uma mudança radical no pensamento dos ministros. Mas, com as gravações recentes de Jucá, e dependendo da decisão do STF, mesmo sem ser unanimidade, a repercussão do julgamento não tornará boa nem fácil para o Executivo a missão de conseguir acordos com o mercado financeiro e negociações comerciais com outros países, diante da incômoda menção de que o mandatário brasileiro é "golpista".
Mudança de foco
A apreensão dos integrantes da articulação política do Planalto, de acordo com parlamentares do próprio PMDB, é grande fez a sigla trabalhar para antecipar a votação do impeachment no Senado. O entendimento do grupo, confirmado por um dos ministros, é que hoje eles possuem os votos necessários para aprovar o impeachment e formalizar de uma vez por todas Temer na presidência. Mas se demorarem um pouco mais, podem não conseguir – em razão das denúncias que já existem e as que estão por vir, que tendem a fragilizar ainda mais o Executivo.
"A presidenta Dilma Rousseff só retorna ao cargo se for observado algum acidente de percurso", ironizou, em conversa com jornalistas, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, procurando passar um caráter de unidade e solidez ao governo e minimizando a avaliação da conjuntura. Já para deputado Paulo Pimenta (PT-RS), a situação é oposta.
Pimenta lembrou que os parlamentares que hoje são governo, trabalharam de maneira consciente para que a economia do país fosse se deteriorando, para que o Brasil não tivesse capacidade e mecanismos de enfrentar a crise e, assim, se alimentasse o processo político de afastamento de Dilma.
"Se tivéssemos tido apoio para aprovar as medidas fiscais propostas pelo governo Dilma, com certeza a situação econômica do nosso País não seria a situação que estamos vivendo hoje", acentuou.
O parlamentar prevê que o interino passará a ter ainda mais problemas em muito pouco tempo pois, avalia, está para acabar a fase de "lua de mel" do Planalto com o Congresso, numa relação que se agravará com o andamento das denúncias e investigações da Lava Jato.
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