Michel Temer (PMDB), presidente interino, transferiu o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e cinco secretarias do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MSDA) para a tutela da Casa Civil. Movimentos populares ligados ao campo criticaram a medida, considerando o governo ilegítimo para propor tal mudança, que retiraria importânica da temática.
A partir de agora, passam a ser competência da pasta matérias relacionadas à reforma agrária, ao desenvolvimento sustentável dos agricultores familiares e à delimitação de terras de comunidades quilombolas, temáticas que dizem respeito a mais de 20 milhões de famílias brasileiras que vivem da agricultura camponesa.
A mudança consta em decreto publicado no Diário Oficial da União desta segunda-feira (30) e provocou reação de movimentos populares, que acreditam em um enfraquecimento crescente da política agrária. “Essa mudança não é para dar mais relevância a essas pastas, e sim para atender outros interesses, tratando a agricultura familiar sob uma visão assistencialista”, considera Anderson Amaro, da coordenação nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Via Campesina.
A alteração ocorre poucas semanas após o governo Temer anunciar a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), cujas atribuições haviam sido transferidas para o novo MDSA. Para Amaro, o reposicionamento administrativo estaria demonstrando falta de envolvimento com as questões agrárias. “Não há compromisso político com essa pauta, muito menos com a demarcação de terras quilombolas”, acrescenta, destacando ainda que, nos últimos 13 anos, foram demarcados 154 territórios quilombolas no país. “É um avanço tímido, nós sabemos que ainda está aquém da necessidade, mas antes esse reconhecimento sequer existia”, pontuou.
Dados
Segundo estimativas, o Brasil tem mais de 3 mil comunidades quilombolas, cuja titulação fica a cargo do Incra. Atualmente, há 1.267 processos de demarcação em aberto no Instituto. Na visão dos movimentos, esses e outros trâmites poderiam ficar comprometidos por conta das mudanças.
Para o coordenador-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf-Brasil), Marcos Rochinski, as alterações anunciadas por Temer demonstram uma visão distorcida da importância do segmento. “Nós estamos falando de um setor que diz respeito a 4,2 milhões de propriedades rurais e que hoje é responsável por mais de 70% da produção dos alimentos que compõem a cesta básica do brasileiro, ou seja, não é qualquer setor da economia”, quantifica.
Ele ressalta que a entidade, que tem atuação confederativa e está presente em 20 estados, mantém a postura de não reconhecer o atual governo. “Eles já mostraram o que pensam em relação à questão agrária e nós sabemos que isso não é prioridade deles, por isso também vamos seguir com o nosso posicionamento de que, se esse governo não foi eleito pelo voto popular, ele sequer tem legitimidade para propor qualquer coisa, incluindo essas mudanças”, completa.
Confusão
Para o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alexandre Conceição, as alterações administrativas denotam ainda a existência de problemas de planejamento. “Isso demonstra que eles não sabem o que fazer com a gestão, porque um governo que acaba com o MDA, colocando a pasta no MDSA e depois transferindo para a Casa Civil, é uma gestão que não tem plano de governo. É uma postura estapafúrdia, de quem não tem programa para a agricultura familiar, que gera oito vezes mais empregos do que o agronegócio”, critica.
Para o MST, as medidas seriam estratégias de enfraquecimento da luta social no campo. “Nós sabemos que no governo Dilma [PT] não houve desapropriações, mas há uma série de politicas públicas que representaram avanço para a agricultura familiar e que agora estão em risco, como a implementação significativa do Plano Safra; o envolvimento da juventude na produção de alimentos como uma política; os programas de abastecimento, compra e vendas de alimentos, etc.”, enumera.
Ele destaca que o movimento tabém seguirá na linha de oposição ao processo de impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff. “Vamos lutar até o fim pelo retorno das políticas do MDA, pra que a gente possa avançar inclusive no assentamento das mais de 120 mil famílias que hoje estão acampadas no Brasil à espera da reforma agrária”, completa.
Os movimentos populares prometem uma intensificação das ações de rua neste mês de junho. Entre outras atividades, está agendada para o próximo dia 10 uma mobilização nacional contra o impeachment.
Mudanças
O Decreto nº 8.780, de 27 de maio, transferiu do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) para a Casa Civil da Presidência da República os seguintes órgãos: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário; Secretaria de Reordenamento Agrário; Secretaria da Agricultura Familiar; Secretaria de Desenvolvimento Territorial; e Secretaria Extraordinária de Regularização Fundiária na Amazônia Legal.
O texto do Decreto informa ainda que os efeitos das referidas alterações são imediatos, com utilização por parte da Casa Civil de todas as estruturas que dão suporte aos órgãos citados.
Resposta do governo
O Brasil de Fato procurou a Casa Civil para tratar das mudanças administrativas, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
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