Embora a eleição presidencial estadunidense esteja ainda em suas fases primárias, a amplitude ideológica entre os candidatos tem alertado o mundo para as potenciais consequências internacionais em cada cenário de vitória.
Donald Trump, candidato de extrema direita que, provavelmente, representará o Partido Republicano nessas eleições (após a renúncia de Ted Cruz, até então o mais forte candidato do partido) e Bernie Sanders, candidato com perfil de esquerda que concorre contra Hilary Clinton à representação do Partido Democrata, representam, teoricamente, posições opostas e distantes.
No entanto, em relação à política internacional, os candidatos podem adotar posições mais complexas do que cada espectro político anuncia. Em entrevista para o Brasil de Fato, o pesquisador Alexander Main, associado do Centro para Pesquisa Econômica e Política (CEPR) de Washington D.C (EUA), analisou as posições e significados de um governo Trump, Clinton ou Sanders para a América Latina.
Main é formado em História e Ciências Políticias pela Sorbonne, e é especialista na política exterior dos EUA nas Américas, tendo passado seis anos trabalhando como analista de relações internacionais na América Latina. O pesquisador acredita que, como resultado da crise financeira e econômica de 2008, os eleitores estadunidenses estão apoiando posições mais radicais, tendendo as extremidades do espectro político. “A população dos EUA está muito mais consciente da injustiça do sistema econômico e de como o sistema político é essencialmente controlada por interesses financeiros e corporativos”, declarou.
Em relação à campanha de Clinton e Sanders, o pesquisador afirma que o Partido Democrata está sendo forçado a tomar uma posição mais progressista, uma vez que pesquisas políticas já mostraram que Sanders venceria de Trump na fase final da eleição presidencial, enquanto Clinton perderia do candidato republicano. “É provável que Clinton será mais receptiva às demandas progressivas - sobre questões de política interna, principalmente, mas também em algumas questões de política externa, a fim de atrair os eleitores Sanders”, destacou.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato - Donald Trump está cada vez mais competitivo em relação a Hilary Clinton. A eleição dele como presidente teria quais consequências para o Brasil e a América Latina?
Alexander Main - Embora a campanha de Donald Trump tenha sido baseada em uma retórica anti-imigração extrema, dirigida principalmente aos imigrantes mexicanos e da América Central, em geral, suas posições sobre a política externa podem parecer atraentes para muitos latino-americanos, já que ele se opõe a intervenção dos EUA no exterior. No entanto, não se pode confiar em Trump para seguir com essas ou outras posições que ele tem adotado atualmente. O anti-intervencionismo é um conceito popular entre muitos eleitores norte-americanos, mas não entre alguns dos maiores doadores de Trump, como o bilionário intensamente pró-Israel, Sheldon Adelson.
Além disso, Trump tem um histórico de mudar completamente de posições (como por exemplo, sobre a imigração ou sobre a política de controle de armas), simplesmente para atrair apoio estratégico. Acima de tudo, ele é um homem de negócios - um imã imobiliário - e, se eleito, é esperado que apoie uma agenda corporativa agressiva dos EUA internacionalmente. No Brasil, eu esperaria que o Trump apoiasse a agenda das empresas de energia norte-americanas a favor da privatização dos ativos da Petrobras, por exemplo.
Entre os Democratas não há nada definido ainda sobre quem disputará a presidência. Há diferenças na forma de ver as relações com América Latina e Brasil entre eles? O que seria melhor para o continente?
É improvável que Sanders ganhe a nomeação dos Democratas, dado que Hillary Clinton tem o apoio esmagador do Partido e, consequentemente, de um número esmagador de "superdelegados" (delegados da Convenção Nacional Democrata, que são livres para votar em quem quiserem, independentemente dos resultados das eleições primárias). No entanto, graças à grande quantidade de delegados estaduais que Sanders acumulou nas primárias, ele tem tido a rara oportunidade de nomear um terço dos membros da comissão encarregada de formular a plataforma do Partido Democrata para o governo seguinte. Assim, embora Sanders provavelmente não seja o candidato democrata à presidência, suas posições sobre a política externa devem, pelo menos, ser parcialmente representadas na plataforma Democrática e isto deve, por sua vez, influenciar a plataforma política de Hillary Clinton na campanha eleitoral em geral.
Embora em suas declarações de política externa Sanders tenha focado principalmente na política dos EUA no Oriente Médio, há sinais claros de que ele seria significativamente mais progressista sobre a política norte-americana na América Latina do que Clinton. Em um debate entre os candidatos democratas, realizado em Miami [Flórida] no início deste ano, Sanders denunciou fortemente as intervenções passadas dos Estados Unidos na América Latina, e sua plataforma de campanha inclui a seguinte declaração: "Bernie Sanders acredita que os Estados Unidos não devem envolver-se nos governos de outros países, mesmo se as autoridades responsáveis não concordarem com os princípios de esquerda dos outros países". Estas posições são consistentes com a sua oposição forte e ativa em relação à intervenção dos EUA na América Central na década de 1980.
Hillary Clinton, por outro lado, tem o histórico de ter auxiliado o êxito do golpe em Honduras, em 2009, e foi gravada em vídeo comemorando com partidários da oposição venezuelana, após as últimas eleições para a Assembleia Nacional da Venezuela, declarando "nós vencemos!".
Apesar de Bernie Sanders ser considerado mais de esquerda, Clinton tem maior apoio da comunidade negra e latinos. Por que isso acontece?
Em primeiro lugar, é importante notar uma lacuna geracional significativa em termos de apoio dos eleitores "minoritários" para Clinton e Sanders, na qual Clinton tem tido um apoio esmagador de eleitores negros e latinos com mais de 40 anos de idade. Mas Sanders tem o apoio da maioria dos negros e latinos com menos de 30 anos. Portanto, não claramente um fenômeno generalizado em que os eleitores de minorias apoiam Hillary Clinton.
Em segundo lugar, há uma divisão regional em que os negros da classe trabalhadora do chamado Rust Belt dos EUA [antigas regiões industriais do nordeste e centro-oeste] são mais favoráveis a Bernie Sanders que os negros do Sul, onde há mais igrejas batistas conservadoras, que têm uma influência mais forte.
E, em terceiro lugar, é importante notar que muitos latinos - possivelmente a maioria - não são particularmente progressistas em muitas questões, incluindo questões sociais e econômicas. Muitos deles são bastante conservadores e poderiam estar mais inclinados a votar no Partido Republicano caso os republicanos tivessem uma política de imigração mais progressiva (uma questão que unifica a maioria dos eleitores). Tendo em conta este contexto, não é surpreendente que a maioria dos latinos apoie Hillary Clinton em vez de Bernie Sanders.
Mas também deve-se notar que a fraqueza de Sanders entre os eleitores da "minoria" é, em parte, devido ao fato de que ele se atrasou muito para fazer propostas fortes para as comunidades minoritárias e para falar em questões que envolvem a discriminação racial, importantes para estas comunidades. Enquanto isso, Hillary Clinton e seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, têm construído laços fortes com as lideranças negras e latinas durante muitos anos, e têm sido eficazes no tratamento das questões que as comunidades latinas e negras consideram ser uma prioridade. Nos últimos meses, Sanders tem-se centrado mais em ganhar a confiança e o apoio dos negros e latinos, mas é provavelmente tarde demais.
Pesquisas mostram Sanders com mais condições de vencer Trump do que Clinton. Isso pode influenciar a escolha dos Democratas ?
Um dos principais problemas aqui é que muitos dos eleitores de Sanders estão atualmente mais propensos a abster-se, ou mesmo votar em Trump, em vez de apoiar Clinton. É por isso que é cada vez mais crucial para Clinton trabalhar no apelo aos eleitores de Sanders. Isso também explica, por exemplo, por que o Comitê Nacional Democrata permitiu que Sanders nomeasse um terço dos membros da Comissão de plataforma para a Convenção Democrata.
Mais uma vez, é improvável, embora não impossível, que a Convenção Nacional Democrata nomeie Bernie Sanders (há, por exemplo, uma possibilidade remota de que os superdelegados se desloquem para Sanders se parecer cada vez mais difícil para Clinton triunfar sobre Trump na eleição de novembro). Mas, pelo menos, é provável que Clinton será mais receptiva às demandas progressivas - sobre questões de política interna, principalmente, mas também em algumas questões de política externa - a fim de atrair os eleitores de Sanders.
Esse cenário, Clinton x Sanders, indicaria que a população americana atingiu um alto grau de polarização política? Isso é positivo ou negativo para o resto do mundo?
Em vez de falar sobre a polarização, eu diria que um grande número de eleitores norte-americanos estão mais radicalizados do que já foram, pelo menos desde o final dos anos 1960 e, talvez, desde os anos 1930. Isto é principalmente resultado da precipitação da crise financeira e econômica de 2009, que levou, por um lado, a uma forte aceleração do declínio do nível de vida dos cidadãos norte-americanos comuns e, por outro lado, a um aumento notável da desigualdade de renda. Como resultado, a população dos EUA está muito mais consciente da injustiça do sistema econômico e de como o sistema político é essencialmente controlada por interesses financeiros e corporativos.
O sucesso de ambos, Trump e Sanders, na campanha presidencial de 2016 é um produto da rejeição do sistema político e econômico por um número crescente de cidadãos dos EUA. Trump apela principalmente para membros de uma classe operária branca, em grande parte alienada e desorganizada, com sua denúncia dos acordos de livre comércio dos EUA, o seu pedido de um reforço de certos programas de Bem-Estar Social do Estado como o Medicare e a Segurança Social, mas também com seus ataques contra os imigrantes e muçulmanos, e sua posições conservadoras em questões sociais. Sanders apela aos membros mais organizados e progressistas da classe trabalhadora, bem como aos membros mais progressistas das classes médias, em especial os jovens com idade inferior a 35 anos de idade (que estão particularmente indignados com a sensação de que suas perspectivas econômicas têm sido rapidamente deterioradas). Hillary Clinton representa o status quo do Partido Democrata, que os democratas mais velhos são mais propensos a apoiar tanto porque ela é vista como mais previsível e como menos divisiva do que uma potencial presidência Bernie Sanders.
Eu acredito que a campanha de Clinton contra Sanders é largamente positiva para o mundo, pois Hillary Clinton está sendo forçada a adotar uma agenda mais progressista. No entanto, ainda não está claro se isso vai ter um impacto forte na agenda de política externa de Clinton, dado que a política doméstica tem ganhado muito mais atenção na campanha. Paradoxalmente, se Trump mantém suas atuais posições sobre política externa na campanha geral - por exemplo, criticando o apoio de Hillary Clinton à invasão do Iraque e seu apoio à intervenção na Líbia e na Síria – isso também pode forçar Clinton a tomar posições mais progressistas na política externa. Uma questão crucial será sobre os compromissos de política externa em uma potencial administração de Hillary Clinton. E será importante que os adeptos de Sanders pressionem Clinton a se comprometer com a nomeação de alguns progressistas chaves para posições de política externa.
A escolha de alguém como Trump é consequência de avanços sociais do governo Obama?
Com exceção da falha reforma da legislação de saúde que Obama patrocinou, não houve quaisquer avanços sociais significativos no governo Obama. Mas não há dúvida de que, como resultado, em parte, de uma prolongada campanha de mídia de direita contra Obama, membros dos setores mais alienados da classe trabalhadora branca são favoráveis a Trump. Isso também é em parte por causa de uma reação racista à presidência de Obama e uma crença de que ele empoderou a comunidade negra dos EUA, fornecendo vantagens que os brancos de baixa renda não têm (ainda que não haja provas disso e que, na verdade, a comunidade negra tem tido maior dificuldade econômica e desemprego do que os brancos desde a crise de 2009).
Edição: Simone Freire
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