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“Fora Temer” domina Parada do Orgulho LGBT em São Paulo

Luta contra o golpe e os riscos de retrocessos que atingem a população LGBT tomam conta de falas e cartazes

São Paulo |
Placas, cartazes e gritos de ordem contra Temer foram presença constante na Parada
Placas, cartazes e gritos de ordem contra Temer foram presença constante na Parada - Luiz Felipe Albuquerque

Os riscos de retrocessos aos direitos da população LGBT no governo interino de Michel Temer (PMDB) levou milhares de pessoas à Avenida Paulista, neste domingo (29), para protestarem contra a ofensiva conservadora em marcha desde o início do atual governo e que impactam em muito nos direitos conquistados pela população LGBT. Placas, cartazes e gritos de ordem contra Temer foram presença constante na Parada de Orgulho LGTB deste ano, que chegou à 20ª edição atraindo – como sempre – uma multidão de participantes.
O professor de pontos digitais de comunidades carentes, Cláudio dos Anjos, não hesitou em sair do Rio de Janeiro para vir a São Paulo para participar da Parada. O motivo? A necessidade de lutar “pela garantia dos nossos direitos. Há muitos anos temos conquistado, de maneira lenta, direitos sociais, mas agora querem nos tomar tudo isso”, responde Cláudio.
Um exemplo dessa ameaça do governo interino aos direitos conquistados é a extinção do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos logo nas primeiras semanas de Temer como presidente em exercício.  A pauta LGBT estava entre as linhas de atuação do ministério, que foi reduzido a uma secretaria subordinada à pasta da Justiça. Outra preocupação é o menor poder de influência da Secretaria de Direitos Humanos, agora sem o status de ministério, sobre políticas públicas de outras pastas que afetam diretamente a população LGBT, como a saúde e a educação.
Para o deputado federal Jean Wyllys (PSOL), conhecido por sua atuação em prol dos direitos dos LGBTs, não se pode reduzir a Parada a apenas um momento festivo. “Ela é também festa porque festa é um direito nosso, de celebrar nosso orgulho. Mas também tem uma agenda política. Estamos vivendo um momento difícil no país, um momento de retrocesso, um momento em que a República foi tomada por ladrões. Isso ameaça nossos direitos. Precisamos lutar pela democracia, pelos direitos LGBTs e principalmente pelas pessoas trans”, afirmou. Este ano o tema da parada foi "Lei de Identidade de Gênero Já! Todas as pessoas contra a transfobia", e buscou destacar o chamado segmento T: transexuais, travestis, homens trans e mulheres transexuais.
Neste sentido, a transexual Jack diz também estar preocupada com a perda de direitos. “No governo [Dilma] tivemos algumas conquistas, e agora estamos vendo a possibilidade de perdermos algumas delas”, comenta.
Um exemplo seria a derrubada do decreto de Dilma que respeita o direito ao uso do nome social na administração pública federal, anunciada pelo ministro do Trabalho do governo interino de Temer, o pastor Ronaldo Nogueira (PTB-RS). A medida foi um dos últimos atos oficiais da petista e um dos poucos gestos a favor de LGBTs no poder.
Jack comenta ser de extrema importância “a possibilidade de usar o nome social. Essa lei foi estabelecida em todo país para que nossa comunidade possa ter mais dignidade. Ela é um começo”.


Para Isabel Fontana Caldas, gestora em políticas públicas, esse cenário com o governo interino de Temer é apenas mais uma prova de que o retrocesso já bateu à porta. “Sempre vivemos a ameaça do retrocesso, mas com esse golpe o retrocesso já se iniciou. Por exemplo, a questão do nome social foi uma conquista dura. Já há uma ação para suspender esse decreto, e não podemos permitir isso”, afirma ela. 

Violência e preconceito

Segundo o último relatório de violência homofóbica, publicado este ano pelo Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, ao menos cinco casos de violência homofóbica são registrados todos os dias no Brasil.
O estudo é referente aos dados de 2013 e embora ainda limitado, os números já apontam para um quadro preocupante de homofobia. Naquele ano, foram registradas 1.965 denúncias de 3.398 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 1.906 vítimas e 2.461 suspeitos.
A grande maioria das denúncias de violências homofóbicas são sobre vítimas do sexo masculino (73%). Não à toa, este ano a Parada LGBT trouxe para o centro do debate a questão da transfobia.
Jean Wyllys destacou que “das somas de letras que nós somos, LGBT, o segmento T é o segmento mais vulnerável. É o segmento com mais vítima de homicídios, lesões corporais, que tem os seus direitos não reconhecidos. Essa letra precisa de atenção especial”.
Abelino Fortuna marcou presença na Parada representando milhares de pais que tiveram seus filhos violentados, assassinados, como consequência do preconceito. Em 2012, em Pernambuco, seu filho Lucas Fortuna foi morto aos 28 anos por dois jovens pelo simples fato de ser homossexual. “Estou aqui por um simples motivo: para celebrar a alegria, a vontade do meu filho Lucas, que foi brutalmente arrancado dos braços pela homofobia. Tenho a consciência de que a única forma digna que eu tenho para homenageá-lo é não deixar sua luta de militante LGBT morrer. A luta pelo direito de ser, pelo direito de amar. É por isso que estou aqui e estarei em todos os espaços, buscando retirar todos os pais do armário. Essa é a nossa luta”. 
A mesma bandeira trazia o Coletivo Mães pelas Diversidades, um movimento criado para se contrapor à declaração do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC), que disse que “seria incapaz de amar um filho homossexual”. “Nós temos orgulho dos nossos filhos sim!”, disse Maju Giorgi, presidenta do coletivo. Ela aponta que está apreensiva com as possibilidades de retrocessos, mas que a luta “pelos direito civis dos nossos filhos” seguirá firmemente.

Perda de direitos

Desde o início da consolidação do processo de golpe no país, diversos movimentos LGBTs já se demonstravam preocupados com os impactos de um governo Temer sobre seus direitos. A começar pela votação da admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, em 17 de abril, quando a maioria dos parlamentares defendeu o afastamento de Dilma em nome de uma família tradicional e patriarcal.
Aquela cena já demonstrava o que estava por vir. Uma série de projetos de leis (PL) contra a população LGBT estão prestes a entrar em votação no Congresso Nacional. Dois deles são justamente do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos principais articuladores do golpe e que foi afastado recentemente da Presidência da Câmara devido a denúncias de corrupção. Um PL criaria o Dia do Orgulho Heterosexual, e o outro criminalizaria o preconceito contra heterossexuais.
Outra iniciativa nesse mesmo sentido é o PL 6583/2013 (Estatuto da Família), patrocinado pela bancada evangélica e que busca definir a família apenas como a união entre um homem e uma mulher. A aprovação da proposta também ameaça direitos já adquiridos, como a união civil entre casais homossexuais, aprovada pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, e poderia proibir a adoção de crianças por casais homossexuais.
Para o deputado federal Orlando Silva (PCdoB), que participou da Parada, o Estatuto da Família é um projeto que defende uma família do século 19. Na opinião do parlamentar, o “Estado não tem que se meter na vida da gente. O Estado tem que reconhecer todas as famílias, todas as formas de amor que existe”. 
Silva também lembrou da adolescente vítima de um estupro coletivo no Rio de Janeiro. “Essa mesma violência que tem forma de homofobia, de machismo, de racismo também tem forma de autoritarismo. Por isso rasgaram a Constituição no Brasil, e por isso vamos lutar pela democracia. Defender nossos direitos é defender a democracia”, disse.    
Diante desse cenário de ameaça de perdas de direitos, a gestora Isabel é taxativa. “Não vamos aceitar um governo ilegítimo que já está tomando atitudes claras contra os direitos LGBTs. Vamos ter que fortalecer muito nossa luta. Vamos lutar nas ruas, de todas as formas possíveis e pacíficas, e nós vamos derrubar esse governo”, acredita. 

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