Trabalhadores e estudantes da saúde realizaram dois protestos nesta terça (24) para denunciar o plano de desvincular o Hospital Universitário (HU) de São Paulo da Universidade de São Paulo (USP). Às 18h, um grupo que se concentrou em frente ao hospital seguiu em marcha até a Avenida Corifeu de Azevedo Marques, nos arredores da universidade. Pela manhã, cerca de 400 pessoas deram um abraço simbólico em torno do prédio da instituição.
A Reitoria alega dificuldades financeiras para sustentar o hospital e sugere transferir sua administração para outro órgão público, como a Secretaria Estadual de Saúde ou o Hospital das Clínicas (HC), sob a justificativa de reduzir os gastos.
Esta ação, porém, é interpretada por alguns servidores como uma forma de facilitar uma futura privatização da administração do HU, que passaria a ser gerenciado por Organizações Sociais (OSs), como boa parte dos hospitais do Estado de São Paulo.
Dupla porta
Para Felipe Tomasi Cavalieris, técnico de segurança do trabalho do HU e membro do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), a principal proposta da Reitoria é passar a gestão do HU para o Hospital das Clínicas, que faz atendimentos particulares e é parcialmente gerenciado por OSs, que “são fundações teoricamente sem fins lucrativos, mas que a gente sabe que é um grande esquema de corrupção".
"As OSs contratam trabalhadores em condições mais precárias. Os vínculos são mais frágeis, porque não tem a estabilidade do serviço público. São organizações que em tese não tem lucro, mas tem uma meta de superávit, e isso faz com que o objetivo do investimento público não seja somente a valorização do serviço mas também a garantia do caixa para essas organizações", denuncia.
Presente no ato da manhã, a estudante de obstetrícia da USP-Leste e representante discente do curso, Luana Xavier, também acredita que a entrada das OSs da HU acarretaria em um sucateamento do hospital.
"A entrada de OSs leva a uma perda para todos os lados: tanto para os profissionais, que acabam tendo sua prática absurdamente precarizada, quanto para os usuários, que têm um atendimento piorado. Estamos vendo o que está acontecendo nas UBS [Unidades Básicas de Saúde], com cortes de até 70% dos salários dos profissionais. Temos uma precarização do trabalho muito grande, que acarreta diretamente no atendimento às pessoas”, afirma.
Cortes e consequências
Em agosto de 2014, o reitor Marco Antonio Zago anunciou um plano de cortes de gastos que incluía a demissão de 2.800 funcionários de toda a universidade, incluindo hospitais universitários. Também previa a desvinculação destas instituições de saúde.
Passado quase dois anos, o resultado foi a demissão voluntária de mais de 1.400 funcionários da USP. Apenas o HU sofreu a perda de 213 trabalhadores, a maioria da área da enfermagem. Como consequência deste processo, foram fechados 56 leitos, sendo que 40% deles estavam nas Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
As medidas impactaram diretamente no atendimento à população. O pronto socorro infantil deixou de funcionar durante os períodos noturnos, das 19h às 7h, conta com somente um pediatra e recebe apenas crianças em situação de emergência. Além de toda a comunidade universitária, o HU também atende à população do subdistrito do Butantã, estimada em 500 mil habitantes.
“As coisas caminham para que isso também aconteça com o hospital, com o pronto socorro adulto, colocando a vida das pessoas em xeque. O HU é o único hospital referência da Zona Oeste e [as OSs] deixariam a saúde muito mais precária na região”, avalia Cavalieris.
Hospital Escola
Uma das principais funções da vinculação do HU à universidade é o seu papel na formação dos estudantes dos cursos da área da saúde, ou seja, aulas, estágios e programas de residência são promovidos pelo hospital universitário.
Por isso, ao desvinculá-lo da USP, o hospital poderia ser submetido a uma lógica que não necessariamente corresponde ao tipo de ensino que se espera de uma instituição pública, como a promoção de um atendimento mais humanizado, por exemplo.
Felipe também acredita que "o hospital vem num processo de precarização bem grande. Esses ataques prejudicam muito sua própria condição de ensino e aprendizado e a realização de estágios, residências e aulas", avalia.
Condições de trabalho
Pacientes e alunos não são os únicos prejudicados neste processo. A falta de funcionários também está levando à precarização, o que tem feito muitos pedirem demissão por não conseguirem suportar as condições de trabalho. A sobrecarga também tem deixado muitos profissionais doentes.
“A gente fala do atendimento à população, da qualidade do ensino, mas tudo isso só é possível com um corpo adequado de trabalhadores. Os funcionários do HU, além de realizarem suas tarefas comuns, participam dos processos de aprendizagem dos alunos, que vão aprender a fazer cirurgias, procedimentos, consultas. Todos estes profissionais são suportes para isso”, comenta o técnico de segurança do trabalho do HC.
Segundo Cavalieris, cerca de 70% dos trabalhadores do hospital possuem alguma restrição física ou psicológica graças ao déficit de funcionários, às más condições de trabalho e aos equipamentos obsoletos. “A saúde dos trabalhadores também está muito comprometida com todo este processo”, afirmou.
O site Saúde Popular entrou em contato com a Reitoria da Universidade para saber sobre seus posicionamentos em relação a estas questões, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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