"Temos o modelo do soldado romano, que é declaradamente seguido por estruturas da Polícia Militar, em especial pelos batalhões especiais [...]". É o que afirma a advogada Priscilla Placha Sá a respeito do caráter da polícia militarizada no Brasil. Professora de Direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e PUCPR, a advogada falou ao Brasil de Fato PR sobre militarização, democracia e controle social.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato PR: Como o Direito vê a existência da Polícia Militar hoje em dia?
Priscilla Placha Sá: É uma das maiores contradições do Estado Democrático de Direito, você ter uma polícia estadual que é reserva das Forças Armadas nos Estados. Esse é exatamente o mesmo modelo das capitanias hereditárias e das sesmarias. Os senhores de terra, para manter aquela propriedade, tinham que ter um “exército particular”.
Por que ter uma polícia militarizada?
Temos o modelo do soldado romano, que é declaradamente seguido por estruturas da Polícia Militar, em especial pelos batalhões especiais, com a grife que o Bope conseguiu após Tropa de Elite. É a ideia de que você tem o marco da verticalização, da hierarquia, do controle não só da vida, mas o controle da morte. Uma estrutura que espelha a ideia de que o Estado tem que controlar o corpo das pessoas, o trânsito do corpo das pessoas, em que lugar essas pessoas transitam.
Polícia militarizada é incompatível com democracia?
Nossa percepção é de que democracia é o governo da maioria, o que não é necessariamente um governo em favor da maioria. Temos a ideia de representatividade, através do voto. O que estamos dispostos a fazer nesse jogo de liberdade? Para uns, liberdade é ter um carro do ano e não se comprometer com nada. E o jogo da polícia é a medição da liberdade de alguns com a segurança de outros.
Então o papel da polícia é proteger a minoria da maioria?
Há uma frase de um ex-secretário de Polícia Civil, Hélio Luz, num documentário chamado Notícias de uma Guerra Particular, em que ele diz que a polícia segura o fio de náilon que separa a elite da ralé. A polícia cuida da minoria que tem o capital e a gestão das esferas de poder. Não temos uma cultura de emancipação, de formação de cidadão.
Falta controle social sobre a atividade da polícia?
Com certeza, é evidente. A falta de controle se deve à ausência de regulamentação histórica. Os próprios comandantes não querem controlar tudo, pois isso possibilita ajustar as coisas do jeito que der, como no 29 de Abril, [significa] que as atitudes podem ser ditadas de acordo com as circunstâncias. 'Depois vejo se preciso falar alguma coisa ou não, vamos ver por quanto tempo a população vai reclamar que aquele conflito não teve uma solução aceitável, enquanto isso vamos tentar emplacar a tese de que todo o sentido do protesto é a ideologia de um único partido, de que toda vez que você faz alguma coisa contrariando a ordem posta você é comunista', pensa a Polícia. Sempre há chavões que desqualificam o argumento [do controle social].
A gente só vai ter uma polícia desmilitarizada e menos violenta quando a sociedade mudar ou a desmilitarização pode ajudar a mudar a sociedade?
São vasos comunicantes. É o momento de fazermos a revolução e fazermos as duas coisas ao mesmo tempo. A polícia não está dando conta, ela tapa o sol com a peneira. É preciso mostrar as feridas que estão aí, esse poder que não é só de deixar viver, mas de fazer morrer uma quantidade de pessoas.
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