Tive a oportunidade de acompanhar, presencialmente, alguns episódios de queda de presidentes na América Latina. Eu estava na Bolívia quando o presidente Carlos Mesa, em 2005, foi derrubado pelo movimento indígena e pelos trabalhadores.
A questão é que essa mudança esteve amparada na luta de amplas massas populares e expressou o avanço para um programa democrático, de ampliação de direitos e inclusão social, em um ciclo que se instalou em todo o continente. Naquele episódio, a população mais pobre, de fato, foi às ruas contra o programa neoliberal que predominou nos anos 90 no continente.
Dois meses mais tarde, no Equador, acompanhei a derrubada do presidente Lucio Gutiérrez, neste caso, em um movimento ancorado nos setores médios da capital, Quito.
Foi assim que, mais tarde, Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correia, no Equador, chegaram ao poder no contexto de governos com independência em relação aos EUA, na tentativa de retomar uma industrialização própria e a valorização da identidade nacional e popular. Esses processos geraram a instalação de Constituintes que ampliaram os mecanismos de democracia direta e mais participação popular na política.
É justamente o contrário de situações que sucederam, anos mais tarde, em Honduras (2009), no Paraguai (2012), e agora no Brasil, onde o golpe é gestado no parlamento e no judiciário, ancorado em setores sociais específicos, com um programa que, na verdade, busca a restauração de cortes trabalhistas e ajustes como saída para a crise internacional.
Esses formatos de golpe retrocedem na manutenção de uma democracia formal, limitada, onde a maioria da população pobre sequer se vê representada. Onde sequer o voto original é respeitado e no qual o expediente da repressão para assentar o golpe também é uma prática comum.
O perfil das elites latino-americanas
O modo de produção capitalista é por essência instável, em ciclos de crise econômica que interferem diretamente na crise política. Na América Latina isso é ainda mais frequente. Isso porque as tentativas de desenvolvimento regional esbarram no histórico de dependência, de manutenção dos privilégios de uma oligarquia e de ausência de projetos soberanos.
As elites latino-americanas são contrárias à integração regional, à autonomia frente aos países centrais e à autodeterminação de nossos povos.
Analistas e jornalistas, simpáticos ao encosto dos muros, opinam que esse contexto não existe. Que o golpe no Brasil – palavra incômoda para eles – não está nessa conta latino-americana.
Mas a questão está menos em Dilma e mais na configuração da classe dominante no Brasil. A presidenta Dilma Rousseff é acuada pelos avanços do primeiro governo. Assim como Fernando Lugo foi destituído do Paraguai por medidas básicas nas áreas de saúde, comunicação pública e controle das empresas transnacionais no campo.
O golpe é de natureza política. O mais brutal é que fatores como o desemprego, a crise econômica, a atual dívida pública e os erros gigantescos do segundo mandato do governo – que têm sido usados como argumentos que justificam o impeachment - foram justamente implementados sob pressão da oposição, que busca um programa que já levou a Europa à falência.
O período de estabilidade do Brasil chega ao fim, uma vez que já não há margem para o ganho do sistema financeiro, industrial e dos trabalhadores, na composição de classes permitida entre 2003 e 2013.
A questão é que mais neoliberalismo não resolve o problema do emprego, não resolverá o problema dos trabalhadores e dos jovens que passam a entrar em cena.
Para a minha geração, acostumada, ao longo dos anos 90 e 2000, a olhar as grandes lutas nos países vizinhos, um novo período de incertezas e lutas vai se abrir.
Com um Projeto Popular em mãos, apontando os limites do sistema político, e abrindo uma grande frente de comunicação e debate com as massas populares, as forças democráticas devem aproveitar qualquer espaço para denunciar o golpe e apontar os caminhos para que de fato tenhamos um país soberano.
Pedro Carrano* é jornalista do Brasil de Fato Paraná
Edição: Vinícius Segalla