Privilégios

Alckmin dá calote de R$ 1,1 bi no Metrô para subsidiar Linha 4, que é privada

Modelo de repasse permite à concessionária ViaQuatro receber do governo Alckmin mais que o Metrô, pertencente ao Estado

Rede Brasil Atual |
Placa indica caminha para Estação Vila Sônia, uma das 11 que deveriam ter sido entregues em 2010, mas que ainda nem foi construída
Placa indica caminha para Estação Vila Sônia, uma das 11 que deveriam ter sido entregues em 2010, mas que ainda nem foi construída - Divulgação

São Paulo – Privilegiando a concessionária privada ViaQuatro, que administra a Linha 4-Amarela, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) deixou de repassar R$ 1,1 bilhão à Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) entre 2011 e 2015. O valor é relativo à remuneração pelo transporte de passageiros. O dado é extraído do balanço da estatal. O presidente do Sindicato dos Metroviários, Altino de Melo Prazeres Júnior, diz que a crise financeira sofrida pela companhia “é fabricada”.

“Isso é uma decisão do governo que faz parte do contrato da Linha 4. O governo subsidia a empresa privada, o que não faz com a estatal”, afirma o dirigente. Os documentos do Balanço Social do Metrô de 2013 e 2015 registram déficits em “convênios e contratos”, referentes à ViaQuatro – formada por Camargo Corrêa (60%), Montgomery Participações S/A (30%) e Mitsui&Co Ltda. (10%) –, no item “perdas de contas a receber”. No balanço referente a 2013, as perdas foram de R$ 199 milhões, ante R$ 214 milhões em 2012 e R$ 238 milhões em 2011. O relatório referente ao ano passado demonstra R$ 332 milhões em 2014 e R$ 135 milhões em 2015.

Nestes valores, não está computado calote de R$ 255 milhões do governo no Metrô em 2014 e 2015, referente aos valores repassados à empresa pelo transporte dos passageiros beneficiários de gratuidade. O montante foi congelado pelo governador para auxiliar na cobertura do rombo orçamentário de R$ 1,38 bilhão da gestão tucana em 2015. No mesmo ano, o Metrô registrou seu primeiro déficit orçamentário: R$ 73,9 milhões.

A “decisão do governo” citada por Melo, que está na origem das perdas, é a priorização da concessionária privada no repasse dos valores devidos pelo transporte dos passageiros. Todo o dinheiro arrecadado com a tarifa é remetido ao governo estadual, que efetua o pagamento dias depois, por meio de uma câmara de compensação. O contrato de concessão garante prioridade à ViaQuatro no saque.

Sem risco

“Em tese, quem recebesse por último não teria prejuízo. Mas quando você recebe primeiro, caso falte dinheiro, faltará para os últimos. É uma garantia para o setor privado, um capitalismo sem risco”, disse o sindicalista.

Embora o Metrô tenha uma maior extensão de linhas e atenda um maior número de passageiros (3,8 milhões de passageiros por dia útil, ante 700 mil da Linha 4-Amarela), acaba prejudicado na distribuição dos recursos, pois a ViaQuatro não só recebe primeiro, como detém uma remuneração diferente, conforme registra o próprio Relatório da Administração do Metrô, de 2013.

“O descompasso do reajuste das tarifas públicas e da tarifa de remuneração, o pagamento da tarifa de remuneração inclusive dos passageiros gratuitos e a integração livre entre as linhas do Metrô e da CPTM com a Linha 4-Amarela, somado à prioridade de recebimento da receita tarifária pela Concessionária Privada, gera impacto financeiro para as empresas públicas do sistema metroferroviário”, diz o documento.

Tarifas

O contrato de concessão estipulou também o reajuste anual, em fevereiro, na tarifa da Linha 4-Amarela, independente de haver aumento no sistema público. Essa revisão é realizada com base em uma fórmula que leva em conta a inflação medida pelo Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Com base na fórmula, a reportagem calculou que a tarifa cheia paga à ViaQuatro, pelo governo Alckmin, seria hoje de R$ 3,8276. Já a tarifa integrada seria de R$ 1,9138. Tanto a concessionária como a Secretaria de Transportes Metropolitanos (STM) do governo paulista, não responderam à reportagem para esclarecer esse ponto. A tarifa cheia da ViaQuatro – referente aos passageiros que entram e saem do sistema na Linha 4-Amarela – superou a do Metrô em 2013. Enquanto o serviço público tinha cobrança de R$ 3, a concessionária recebia R$ 3,126.

A empresa ainda recebe metade da tarifa, no caso de passageiros que acessam a Linha 4-Amarela vindos de outros sistemas, caso da CPTM, do próprio Metrô ou dos ônibus da São Paulo Transportes (SPTrans, da capital) ou da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU, intermunicipais). O que é errado, na opinião de Melo. “A Linha 4 é uma linha pequena, onde parte das pessoas vieram ou estão a caminho do Metrô ou do trem. Tem destino na Linha 4? Tem, mas é minoria. É repassado como se fosse um processo proporcional, mas o custo deles é muito menor”, afirmou.


A concessionária informou, em resposta a um requerimento do então deputado estadual Luiz Cláudio Macolino (PT), em novembro de 2013, que somente 10% de seus passageiros eram exclusivos. Porém, a tarifa média do serviço privado também era maior naquele momento. Enquanto o Metrô recebia, em média, R$ 1,65, a ViaQuatro recebia R$ 1,70 por passageiro. Considerando essa proporção, os R$ 0,0276, da tarifa cheia e os R$ 0,0138, da integração, multiplicado pelos 700 mil passageiros diários da Linha 4-Amarela, chegaria a cerca de R$ 3,8 milhões por ano acima da remuneração por passageiro paga ao Metrô.

Outro aspecto que eleva o custo para o governo paulista por conta da Linha 4-Amarela é que ela tem uma cláusula que determina o “Compartilhamento do Risco de Demanda”. Até 10% de diferença na demanda estimada de passageiros – para mais ou para menos – o risco é exclusivo da concessionária. Acima disso, porém, o risco é compartilhado com o governo paulista.

Ocorre que a previsão de demanda, segundo o contrato, era de 1 milhão de passageiros por dia quando a linha estivesse pronta. O que deveria ter ocorrido há seis anos, em 2010, primeira previsão de conclusão das obras. O número de usuários hoje está 30% abaixo dessa meta, pois a obra está atrasada, com quatro estações ainda em construção: Vila Sônia, São Paulo-Morumbi, Higienópolis-Mackenzie e Oscar Freire. A previsão atual de conclusão é 2018. A STM não informou quanto o governo Alckmin repassa à concessionária para compensar essa diferença.

 

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