Às quatro da manhã, Ana Amália da Silva, de 25 anos, ligou ansiosa para Naila Ferreira, 27, para que elas não se atrasassem. Mas era cedo demais. Elas e outras 50 pessoas iam participar da concentração de um ato que trancou a Marginal Tietê, uma das mais movimentadas vias do país, por 30 minutos, com pneus, paus e lixo em chamas. A concentração ia começar às 6h, e a ação só começou às 7h. O ato era um dos 13 fechamentos de vias promovidos pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em São Paulo nesta quinta (28).
Além de São Paulo, o MTST travou rodovias ou vias muito movimentadas em oito estados do país. A ação aconteceu de maneira simultânea no Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Goiânia, Belo Horizonte, Uberlândia e Brasília, para reivindicar moradia. O movimento também quer deixar claro para o vice-presidente Michel Temer de que não irá se calar caso o processo de impeachment seja bem-sucedido e ele substitua a atual presidenta Dilma Rousseff. Para os manifestantes, um possível governo de Temer seria ilegítimo.
Ana e Anália vivem de aluguel, no Bom Retiro e na Casa Verde, bairros próximos ao ponto de concentração. Mas outros manifestantes vieram de longe. Como aqueles que vieram das ocupações Copa do Povo, localizada no Parque do Carmo, Dandara, em São Matheus, Esperança Vermelha, da Cidade Tiradentes, todas na zona leste. Além delas, havia militantes das ocupação Estaiadinha, localizada próxima ao ponto de interdição.
“Deixei meu inocente prontinho pra ir pra creche, fiz o cafezinho e vim pra luta. Tudo que a gente quer é ter nossos direitos”, conta Naila, com um copinho da bebida, trazida em uma garrafa térmica. O “inocente” é um bebê de 11 meses. Por causa dele, ela não tem trabalhado.
Ana, no entanto, trabalha no comércio e ia para o trabalho depois de alimentar o fogo na Marginal. “Estou correndo atrás do meu objetivo, que é ter uma casa. Mas na luta, fazendo o certo”, afirmou.
A ideia de fechar rodovias não à toa, explica Josué Rocha, da coordenação estadual do MTST. “Para o MTST, esse tipo de ação de travamento é extremamente importante, porque interfere na cadeia de produção. É a maneira que a gente tem de inferir no sistema, travando a circulação de mercadorias”.
Opiniões sobre Dilma
Ana e Amália, no entanto, entendem os motoristas e passageiros de ônibus que passavam na outra pista da via e hostilizavam os manifestantes. “É um pouco constrangedor. Porque todo mundo aqui é trabalhador. Quando eu não estava no movimento, criticava também. Mas depois que você entende a luta, muda de ideia”, explica Ana, que é vendedora. “Eu sou muito a favor da Dilma, acho que isso [a tentativa de impeachment] é uma corrupção mesmo. Ela ajuda muito as pessoas trabalhadores, igual a gente. Pelo menos para mim. E esse Temer, se fosse por mim, já estava fora faz tempo”, afirma ela.
Dilma não é unânime entre o MTST. Em março, o movimento divulgou um manifesto fazendo severas críticas à sua gestão. No texto, sua política econômica é classificada como “desastrosa” e o movimento afirma não ter “nenhuma expectativa de que o governo Dilma tome este rumo”. Ainda assim, o movimento avalia que é fundamental brecar o golpe em curso para salvar as conquistas dos últimos anos e poder avançar.
“Os movimentos que tomaram as ruas nas últimas semanas têm em comum a defesa da democracia. A gente entende que o governo Dilma, desde que assumiu seu segundo mandato, adotou uma agenda de ajuste que vai contra os interesses dos trabalhadores. Por isso, nos posicionamentos criticamente durante todo esse período. Mas o que está aconteceu foi um processo de golpe. Estão, de fato, atacando a democracia”, afirma Josué.
Em vídeo na semana passada, que sinalizava as ações de hoje, Guilherme Boulos, da coordenação nacional do movimento, afirmou que é o processo de impedimento é uma “uma farsa encenada por mais de 300 picaretas”, e que Temer seria um presidente “biônico”.
Ele ainda ressaltou a importância da esquerda manter a unidade e dela se “reinventar”, já que as evidências de que o sistema o atual “sistema político faliu” e “não produz mais nada para esse país”.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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