Nei Zavaski, uma das lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Minas Gerais, fala nesta entrevista sobre um possível cenário de novas eleições gerais, o papel dos movimentos sociais diante do golpe e qual deveria ser a posição do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. A entrevista foi realizada durante a Marcha pela Democracia, organizada pela Frente Brasil Popular, que saiu de Ouro Preto no dia 21 de abril e chega em Belo Horizonte no dia 26.
BRASIL DE FATO - Parlamentares e setores de alguns partidos começam a sugerir que a convocação de nova eleição para a presidência pode ser uma boa saída para a crise política do país. Qual a avaliação do MST sobre isso?
Nei Zavaski - O MST é contrário à realização de novas eleições hoje, mesmo que sejam eleições gerais, porque ela legaliza o golpe. Não é que novas eleições gerais sejam um golpe, mas elas dariam legalidade ao que já está acontecendo no Congresso hoje, um processo que é totalmente ilegítimo e corrupto. Isso seria admitir o inadmissível, que é a retirada de uma presidenta eleita no meio do mandato, sem nenhuma base legal. Nós já votamos em 2014, a eleição já aconteceu. Não foi eleita só a presidenta, foi eleito um projeto político que está sendo interrompido antes de ser efetivado. Ao se quebrar isso, não tem mais regra o jogo. Qual a estabilidade política e jurídica que o país teria caso isso aconteça?
Como a sociedade pode enfrentar essa crise de representação?
As instituições políticas do Brasil estão deslegitimadas. O Congresso não representa a população brasileira principalmente por causa do financiamento de campanha. Quem está representado no Congresso é o poder econômico, disso não há dúvida. A forma de resistência é a resistência popular. Essa é o único jeito de impedir o golpe e manter a ordem democrática no Brasil.
O que o MST pretende fazer se for consumada a deposição da presidenta?
A efetivação do golpe coloca, não só pro MST, mas para o conjunto da classe trabalhadora e das forças progressistas, um período de médio e longo prazo de luta e enfrentamento. O golpe traz um novo patamar na luta de classes no Brasil. E os movimentos populares têm que aprofundar o processo de luta, principalmente na resistência à perda de direitos. Essa é a linha do MST para o próximo período, não deixar um governo ilegítimo governar.
Como esse golpe, dado a nível nacional, pode prejudicar Minas Gerais?
Minas Gerais é um dos estados centrais onde foi derrotado o projeto neoliberal, representado aqui pelo PSDB. Outros estados que têm um importante poder econômico são dirigidos pelo projeto neoliberal. Minas Gerais é bola da vez. Uma vez efetivado a nível nacional, aqui será o próximo passo. Seja por qual via isso se der, as forças reacionárias que estão agindo para a derrubada da presidenta vão agir também no nosso estado.
Como essa marcha pode pressionar pra que esse golpe não aconteça em Minas?
O elemento central é consolidar um outro jeito de fazer política no país. Para o conjunto da sociedade só se faz política de dois em dois anos. Mas neste caso, estamos em marcha passando nas cidades, conversando com as pessoas e debatendo política no período não eleitoral. Isso acende uma luz no fim do túnel de uma outra possibilidade de fazer política e construir a democracia. Porque quem marcha sabe aonde quer chegar. A marcha faz parte de um processo de lutas nacionais, como o acampamento da resistência que já estão acontecendo no país, o acampamento da Legalidade no Rio Grande do Sul, que remonta a resistência contra o golpe sobre Jânio Quadros em 1964. O conjunto delas podem sim criar um caldo que impeça o golpe.
Qual posicionamento o MST espera do governador Fernando Pimentel?
O conjunto dos movimentos da Frente Brasil Popular espera que o governador Pimentel assuma um protagonismo na resistência ao golpe, que ele possa se sustentar na base social que derrotou o projeto neoliberal. Que ele seja o “bigode” do Leonel Brizola, pelo menos. Mas é importante dizer que a nossa posição dos movimentos não depende da decisão do governador. Ele acumula forças se tomar essa decisão. Mas a decisão já está tomada, que é a de resistência, e vai se efetivar com luta.
Como Pimentel poderia assumir esse protagonismo de resistência?
Para resistir ao golpe, ele precisa intensificar a construção de um projeto democrático popular para Minas. Isso significa transferência das terras devolutas para a Reforma Agrária, pagamento de todos os direitos do funcionalismo público, ação efetiva na Reforma Urbana com um plano de zerar o déficit habitacional no estado, mecanismos de sair da crise cobrando mais de quem tem mais. Com isso ele ativa a base social que o elegeu e contrapõe o projeto que se implementaria a partir do golpe, que é a retirada de direitos das camadas mais pobres. Mas é preciso contrapor com ação e não só com falas. Minas Gerais tem que ser uma grande trincheira de resistência.
Qual a avaliação do governo estadual até agora?
O governo estadual está se prendendo às mesmas amarras que levou o governo federal à condição em que ele está agora: tentar criar um pacto impossível entre a classe dominante e os trabalhadores. Isso é um problema, porque esse setor em determinado momento vai querer voltar a ser ele efetivamente que vai governar. Então não existe pacto possível. O governo de Minas Gerais precisa confiar no projeto que o elegeu e nele não havia espaço para conciliação. E o MST tem confiança na força social, que vai ser capaz de resistir ao golpe e construir esse projeto para o estado.
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