Conjuntura

"Os EUA financiam golpes e a desestabilização de governos populares"

O Teólogo Marcelo Barros conversa com o Brasil de Fato sobre a conjuntura política

Recife |
Marcelo Barros é assessor de movimentos populares
Marcelo Barros é assessor de movimentos populares - Divulgação

Marcelo Barros é monge beneditino, escritor, teólogo e assessor de diversos movimentos populares. Ele foi ordenado padre por D. Helder Câmara e trabalhou como seu secretário e assessor. De lá para cá sua trajetória sempre foi ao lado dos mais pobres. Confira a entrevista exclusiva com ela para o Brasil de Fato Pernambuco.

  1. Nessa conjuntura de polarização, qual o impacto das manifestações que esquerda tem promovido?

Minha impressão é que é grande. Fazia certo tempo conseguíamos articular os diversos movimentos sociais, alguns movimentos como o MST tinham uma caminhada própria e outros ficavam esperando. Essa crise, esse tempo de turbulência política e de ameaça de golpe, de certa maneira, teve esse efeito positivo se a gente quiser dizer assim. Uma coisa ruim, muito negativa, mas que teve esse efeito de provocar essa grandes manifestações de rua que há muito tempo não víamos acontecendo. Eu acho que as manifestações são muito importantes principalmente na linha da educação política do povo. Mais do que uma repercussão direta nos problemas de hoje.

 

Qual a correlação entre a tentativa de golpe no Brasil e o enfraquecimento de outros governos progressistas na América Latina?

Sem dúvida isso é a causa principal, não é o problema do impeachment da Dilma, se sim ou não. A questão é que os Estados Unidos querem retomar o projeto de hegemonia na América Latina. Estão vivendo eles mesmos [EUA] uma crise econômica e precisam retomar o projeto perdido da Alca [Área de Livre Comércio das Américas]. Agora estão fazendo esse Tratado do Pacífico e alguns países já entraram como o México, o Panamá, a Colômbia, o Peru [Tratado de Associação Transpacífico]. Eles estão querendo acabar com a Alba [Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América] para retomar a hegemonia em todo o continente latino-americano e isso passa pela derrubada de governos progressistas. Os EUA financiam golpes e a desestabilização de governos considerados por eles mais populares.

 

Paralelo a polarização, vivemos uma onda de intolerância atualmente no Brasil. Quais podem ser as consequências disso?

Muito ruim. Muita gente tem falado sobre isso, mostra uma certa ligação, uma certa semelhança desses tempos com os tempos que nós vivemos um pouquinho antes do golpe de 1964 e, pior ainda, com o que a Alemanha viveu na época dos anos 1930, antes do nazismo. A intolerância gera fanatismo, gera impossibilidade de dialogar e principalmente de conviver com os diferentes. Isso é contra, não somente à democracia, mas até mesmo à possibilidade de uma sociedade plural.

 

Qual a importância da Reforma Política nesse contexto?

A Reforma Política é o ponto fundamental. Estamos dizendo nas ruas que a Reforma Política tem que ser feita para criar outro pacto social, outro modo de estabelecimento da correlação de forças na sociedade onde a classe trabalhadora possa de fato exercer o protagonismo.

 

O que o momento atual exige das Igrejas?

A proposta da igreja é ser o ensaio de um mundo novo. Então quando a gente olha um mundo caindo aos pedaços, cheio de conflitos de intolerância, desumanidade, de crueldade, a cultura da indiferença em relação aos refugiados - há quase um bilhão de pessoas no mundo que passam fome -  é lógico que a grande interpelação para as igrejas cristãs é se elas vão continuar a pensar a fé e a viver a fé para elas mesmas fechadas ou se elas vão compreender que o projeto da espiritualidade, que o projeto de Deus, é construir um mundo novo. Cada um, a partir da sua cultura, quem tem fé a partir da cultura da fé e quem não tem fé a partir de uma ética humana, socialista e assim por diante. Então acho que a grande interpelação para as igrejas é isso, é possibilitar que as igrejas saiam de si mesmas e entrem num serviço efetivo à humanidade, para um mundo novo possível.

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