Entrevista

Em tempos de cólera, humor deve cutucar as certezas, diz Gregório Duvivier

Nunca foi tão urgente quanto agora fazer humor, afirma preocupado em firmar um diálogo com quem defende o impeachment

Da Rede Brasil Atual |
Duvivier: Outrofobia inclui o medo da diferença, da alteridade. Eu acho que a função da arte é promover esse encontro com a alteridade
Duvivier: Outrofobia inclui o medo da diferença, da alteridade. Eu acho que a função da arte é promover esse encontro com a alteridade - Paulo Pepe/RBA

“O humor nunca foi tão urgente quanto agora. Para mim, sua função principal talvez seja cutucar as certezas. E nós estamos em um tempo de certezas muito exacerbadas”, afirma o ator, escritor e humorista Gregório Duvivier, definitivamente engajado na defesa da democracia e preocupado em firmar um diálogo com quem defende o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Acima de tudo, com quem pensa diferente, o que ele chama de "outrofobia".

“O medo é filho da ignorância e da desinformação. Eu acho que a arte e a informação impressa, o humor, o principal alvo é esse medo, que é um medo do outro. Outrofobia inclui o medo da diferença, o medo da alteridade. Eu acho que a função da arte é promover esse encontro com a alteridade”, diz.

Isso acontece na política, observa Duvivier, que vê uma situação fomentada por meios de comunicação. Para ele, notícias e vazamentos seletivos da Operação Lava Jato têm construído convicções que alimentam o medo de perda de privilégios por parte das classes mais privilegiadas, que se sentem ameaçadas. Um medo que, no fundo, dá vazão ao ódio ao outro, ao semelhante, e dificulta ainda mais o diálogo, o respeito a quem pensa diferente.

Nesta entrevista, o artista nascido no Rio de Janeiro fala sobretudo deste momento conturbado para a história, em que o país se vê dividido. Critica a mídia por alimentar essa divisão e reflete também sobre o seu trabalho. Duvivier conta que gosta de transitar entre gêneros, como o humor e o drama, em seu trabalho atual, o monólogo Uma Noite na Lua, e reflete sobre os seus 30 anos, completados este mês. Já desistiu de salvar o Fluminense, mas espera que as dúvidas ajudem a esclarecer as certezas. Com a queda do PT a gente sabe o que vai acontecer,  serão dois anos de neoliberalismo da pior espécie.

Como fazer humor em tempos tão bicudos?

O humor nunca foi tão urgente quanto agora. Para mim, sua função principal talvez seja cutucar as certezas. E nós estamos em um tempo de certezas muito exacerbadas. A função do humor, assim como a do jornalismo e do ensino, é a função de fazer perguntas, mais do que dar respostas. E no momento em que só se vê respostas e soluções, e as pessoas desesperadas por meio de manchetes sensacionalistas ou políticos também muito veementes, com fórmulas tipo “para acabar com a corrupção é preciso varrer o PT do Brasil”, a função do humor é perguntar: 'como assim? É isso mesmo o que vocês estão querendo, vocês acreditam nisso'? É duvidar onde só se vê certezas. Acho que essa é a tarefa.

Também não concordo com uma postura que é “ah, nesse Fla-Flu eu sou Corinthians, sou Botafogo”, com quem sai da disputa como se fosse uma disputa da qual você pode não participar. Não participar desse Fla-Flu entre aspas é você tomar partido do lado mais forte, o lado hegemônico, que é o lado do golpe. Todos sabemos qual é a narrativa hegemônica da mídia. Quando você vê que toda a grande imprensa está de um lado, então, esse Fla-Flu está meio desequilibrado, você não tomar partido é concordar com essa narrativa.

E essa narrativa dominante que vem temperada com intolerância? O que para você causa essa intolerância?

Essa intolerância não é natural, nossa, brasileira, uma coisa espontânea. Acho que ela é fomentada pelos meios de comunicação. Quando você vê uma capa em que a figura do Lula ou da Dilma é sempre diabólica, como as capas da Veja ou da IstoÉ, é sempre uma arte que tenta transformá-los em demônios, literalmente mesmo: orelhas pontudas, uma coisa sempre no escuro, luz debaixo para cima. São estratégias demonizantes não só com Lula e Dilma, mas com os militantes – essa própria criminalização da palavra militante. O O Globo disse assim, 'a diferença de uma passeata para outra é que no dia 13 (de março) eram cidadãos, e no dia 18 eram militantes, ou milícias', e usa militante de forma negativa, como se militante não fosse cidadão. Esse antagonismo, imagem de terror, enfim, eu acho problemático. Quando tem uma passeata qualquer, se as pessoas não estão militando, estão fazendo o quê? Essa demonização do militante, da esquerda de um modo geral, é fomentada pela imprensa, não é uma coisa natural da nossa sociedade, sabe?

No seio dessa intolerância estão sim os grandes meios de comunicação. E o que tem por trás deles também a gente sabe que não é espontâneo da classe jornalística; jornalista não é essencialmente conservador, ao contrário. Mas no seio disso estão os jornais e quem os pagam. No Brasil, a imprensa é controlada por cinco famílias. Então, em qual outro meio você vai ver isso? Se tem um lugar que precisa ser democratizado, é sim a imprensa. Você tem poucas famílias que não querem perder os privilégios que têm, nem os jornais falindo, porque estão todos falindo, os grandes, e desesperados.

E em vez de buscar leitores em uma linguagem talvez mais próxima do leitor, investimento forte em internet, mas a estratégia adotada a meu ver é uma dependência cada vez maior dos anunciantes, que já são poucos. Você vê que O Globo virou um braço da prefeitura (do Rio) – é isso o que O Globo é, ele depende de milhões por ano da prefeitura e acaba tendo um rabo preso muito forte. Os principais anunciantes dos jornais grandes são também os principais assuntos. A prefeitura, as empreiteiras, você tem uma relação muito promíscua entre o assunto e o jornal, eu acho muito ruim.

Você escreveu sobre as palavras e a apropriação de seus significados. Hoje é comum a autoridade ou a mídia se apropriar de uma palavra e dar a ela o conteúdo que quiser. É um sintoma dos nossos tempos. Chega a incomodar você?

Sim, incomoda, as palavras são muito mal empregadas. Talvez por ter feito graduação em Letras, minha formação é nesse campo e eu sou apaixonado 

pelas palavras. Incomoda muito quando vejo as palavras roubadas, que estão roubando no jogo das palavras. A direita, por exemplo, se apropria da palavra 'mudança', mas essa é uma palavra de esquerda por definição. A direita por definição, o que a define, é que ela quer a manutenção, a concentração do lugar de poder, do status quo, do establishment. E a esquerda não. Quando a direita pede mudança, você vê que isso não é uma mudança, é uma troca. O que ela quer é trocar em vez de mudar, porque o problema todo é que está se mudando, então, que fique claro isso, o uso das palavras corretas: “O que nós queremos não é a mudança, nós queremos o retrocesso diante das mudanças” – é importante usar as palavras corretas.

Não venha me falar de progresso, por exemplo, quando essa mesma direita não aprova nenhuma lei progressista. Que progresso é esse, para quem? Ou mudança, está mudando para onde? Qual o lugar? Não é à toa que não tem nenhuma agenda propositiva nessas passeatas de dois milhões de pessoas. Porque a verdade é que se começar a falar mesmo, você vai ver que as pessoas que estão pedindo o impeachment, a agenda propositiva delas, a gente sabe bem qual é. Se agora entrar o Michel Temer, a gente sabe bem o que que vai acontecer. Eu tenho mil críticas ao PT – mas no ano passado, por exemplo, o PT votou contra a terceirização, votou a favor do fim do financiamento privado de campanha, enfim, em todas as leis o PT votou à esquerda ainda. Pô, terceirização das atividades-fim, são coisas que o PT estava conseguindo segurar, barganhar. Com a queda do PT, a gente sabe muito bem o que vai acontecer, serão dois anos de neoliberalismo da pior espécie.

As pessoas que estão na rua não sabem disso, porque não tem dois milhões de neoliberais no país. Quem está indo para a rua não sabe que está indo por isso. E é isso que me incomoda, é bom a gente lembrar disso o tempo todo. O Brasil não tem dois milhões de monstros, golpistas.

Você vê essa disputa na perspectiva da luta de classes? O quanto isso é importante para você?

Eu acho que importa bastante pensar que você vê claramente uma diferença gigantesca de renda, mesmo entre as manifestações dos dias 13 e 18. Isso é claro. No entanto, é perigoso a gente classificar todo mundo do dia 13 como elitista, como uma pessoa que está revoltada com a distribuição de renda e está indo às ruas contra isso, o que também não é verdade. Acho que o que existe, que é um fato, é que o PT fez sim, bem, eu acho, um pouco, aumentou um degrauzinho para as pessoas mais pobres do país, da miséria. Como pode um partido, um candidato, se eleger contra a mídia inteira? Que foi o que aconteceu, não é? Porque em termos de distribuição é muito irrelevante a mídia de esquerda no país, ela é muito pequena comparada em termos de distribuição e de tiragem, não como expressão, mas em termos de distribuição.

Lula e Dilma conseguiram se eleger contra isso tudo, contra uma máquina gigantesca midiática. E contra também vários governos estaduais: em São Paulo, o Alckmin muito forte, e também contra o interesse do setor privado de um modo geral. Como eles conseguiram isso? Conseguiram só porque as pessoas que antes não tinham o que comer e agora têm se sentem um pouco gratas em relação a isso. Tem os dois lados, tem gente que está desesperada porque o dólar está subindo, e vai às ruas por isso – isso existe, de fato, como antes teve o mensalão do PT e a compra da reeleição pelo Fernando Henrique Cardoso – enfim, vários escândalos de vários partidos e ninguém foi às ruas, como está indo agora. Não é o volume de dinheiro que está fazendo as pessoas irem às ruas, mas o fato de que o país está em um momento econômico complicado. Então, muito mais do que a corrupção, incomoda o país não estar crescendo.

O que está gritante agora, talvez, mais até do que a luta de classes, o que está levando as pessoas às ruas, que fique bem claro, não é a corrupção, esse é o pretexto, a chamada. Na verdade mesmo, é o medo da perda de alguns privilégios. O dólar está mais alto realmente, e tem gente de amarelo nas passeatas falando da dificuldade de você ter uma empregada hoje em dia. Isso é um fato, é uma coisa que incomoda a elite. Está mais caro para ter uma empregada doméstica que dorme na sua casa. Isso está dificílimo, e tem gente que se incomoda com isso. Não são todos, claro. Mas o que existe de modo geral é uma insatisfação legítima com a situação atual, não só a corrupção, mas o país não crescendo. Mas essa insatisfação que é justificada e que é compartilhada pela esquerda – na verdade, a esquerda está insatisfeita há muito mais tempo – se canaliza em uma coisa que eu acho muito burra, que é a vontade de erradicação do PT. Essa é uma grande estupidez da direita: o que a erradicação do PT vai trazer para o país?

É a ilusão de que um lado pode vencer, não? Ou de que finalmente existe um lado certo e outro errado...

Exato, os dois lados têm convicções meio erradas às vezes. O PT, sobretudo os petistas, acreditam que o lado de lá são só coxinhas insatisfeitos com a distribuição de renda, e eu acho que é mentira, porque tem de tudo, inclusive, gente pobre que está mal informada. Mas um problema do outro lado não é nem a falta de informação, mas é qualidade da informação que está sendo passada, e o lado de lá, do dia 13 de março, acha que tem gente comprada que vai para rua ganhar R$ 30. Isso é uma mentira sem tamanho, eu estava lá, inclusive, não ganhei nada, estou esperando bater na minha conta. Eu acho que os dois lados estão mal informados, os dois lados estão diminuindo a causa um do outro. E isso me incomoda porque eu acho que tem muito mais coisas em comum dos dois lados do que ambos pensam. Os dois lados querem o fim da corrupção, com certeza, você não vê ninguém pedindo mais corrupção, os dois lados querem que se retome o crescimento, os dois parecem insatisfeitos com o PMDB também, e isso é gritante, não vi ninguém pedindo para o Temer assumir, ninguém fala 'assume Temer', ou 'assume Cunha'.

Tem uma desconfiança da Dilma, mas muito maior na linha sucessória. No fundo, as pessoas querem as mesmas coisas, eu acredito. Eu acho que meu trabalho como humorista é fazer as pessoas do dia 13 perceberem que o impeachment não é bom por causa da linha sucessória. Se você quer o fim da corrupção, a única pessoa ali em toda a linha sucessória, talvez em todo o Planalto que não está interessada em obstruir a Justiça é a Dilma. Não é o Michel Temer que vai deixar prosseguir as investigações. E quem viria depois, o Cunha, não é ele, nem o Renan Calheiros, então, no Congresso mesmo, todo mundo está sendo investigado, todo mundo... Você quer mesmo que esse Congresso julgue a Dilma, a única pessoa que não foi citada?! Eu vi 200 nomes na lista da Odebrecht, nenhum deles é o da Dilma ou do Lula. São essas pessoas que estão no noticiário por causa da corrupção. Eu acho que a minha tarefa neste momento é lembrar...

A arte tem o espírito de transformar o mundo, mas neste momento é importante ter isso voltado para transformar o conservadorismo político?

A arte de um modo geral produz empatia. Um bom filme é aquele que te comove, que te tira do seu lugar, que te move de onde você estava e leva para outro lugar. Não existe arma maior contra o ódio, por exemplo, porque a comoção, a empatia fazem com que você repense suas certezas, repense sua outrofobia. O principal inimigo da arte é essa outrofobia, que domina o pensamento conservador. Esse medo, a palavra-chave da direita é medo. Medo no Brasil você consegue colocar com a revolução comunista, até hoje. Estamos em 2016, e a direita não convence as pessoas que está em curso um golpe comunista. Essa função da arte acho que é a mais bonita, que é a luta contra o medo. O medo é filho da ignorância e da desinformação. Eu acho que a arte e a informação impressa, o humor, o principal alvo é esse medo, que é um medo do outro. Outrofobia inclui o medo da diferença, o medo da alteridade. Eu acho que a função da arte é promover esse encontro com a alteridade.

Nas suas manifestações, seja escrevendo ou atuando, em algum momento sentiu alguma censura, alguma restrição?

Cara, eu tenho muita sorte, no caso do Porta (dos Fundos) eu sou sócio, posso falar o que eu quiser, e na Folha também posso falar o que quiser. Não tenho nada a reclamar da Folha, tenho liberdade total, ampla e irrestrita. É realmente livre, eu acho isso essencial. Eu não gostaria de escrever em um lugar que sugerisse mudanças. Eu não sei lidar com isso, até porque estou acostumado a lidar com teatro, que é o lugar da liberdade total do ator. Claro que tem direção, texto e tudo o mais, mas é o ator quando está em cena que diz a palavra final. Ele pode transformar a edição, é dele a edição, ele é o editor desse jornal que é a peça de teatro. Eu acho isso muito poderoso, o teatro forma artistas muito livres. Essa é a minha escola, o teatro. Por isso fizemos o Porta, para ter a mesma liberdade que a gente tinha no teatro. Eu só sei trabalhar com liberdade.

O paradigma politicamente correto te preocupa?

Sabe que as pessoas falam muito do politicamente correto mas não é uma coisa que me incomoda, porque eu vejo a necessidade de conscientização do humor, humorista, como algo muito positivo. Acho que o fato, por exemplo, de as minorias hoje reclamarem quando são ofendidas é um fato muito positivo também. Faz parte de um processo civilizatório do qual a gente hoje tem de se responsabilizar, sim, pelo jogo político do que a gente fala. Antigamente, não é que não existia o politicamente correto, é que as minorias não estavam empoderadas o bastante para manifestar a sua insatisfação. A expressão politicamente correto expõe uma certa rejeição, mas a correção na verdade não se adapta muito à política. Ser politicamente responsável eu acho muito necessário para o humor. Não me atrapalha, ao contrário, acho que isso me inspira a pensar que o que a gente escreve tem um alcance e pode ser positivo ou negativo. A responsabilidade política sobre aquilo que a gente diz é inerente ao nosso impacto. A gente hoje, por exemplo, tem impacto grande, eu não só escrevo na Folha ou no Porta, eu me incomodo muito com os humoristas que dizem: 'Ah, mas é só uma piada'. O cara é processado e diz, 'Não, é só uma piada', gente, mas não é só uma piada. Você vive disso. Jornalista dizendo é só uma matéria, ou o engenheiro, cai o prédio e ele diz, mas era só um prédio. Como assim? Ele vive disso, paga as contas. E a piada é a mesma coisa. É um negócio muito nobre para ser desmerecido.

No caso do Charlie Hebdo, faltou responsabilidade, uma vez que atacaram um símbolo sagrado?

Cara, não, eu acho que não existem sagrados. O que é sagrado para uns, não é para outros, por exemplo, maconha é sagrada para os usuários e a vaca é sagrada para os hindus. Por que a gente pode fazer piada com maconha e vaca, porque eles não têm um exército?! Eles não têm representantes no Congresso. Eles não têm um braço armado. O que define o sagrado é um braço armado? O que define o sagrado? A Globo por exemplo diz que não briga com o sagrado e por isso não fala de Jesus. Tem um monte de piada com pai de santo. Então, o problema é o sagrado da maioria? Eu sou a favor do desrespeito igual a todos os sagrados. Tem que desrespeitar todos com a mesma quantidade de desrespeito. Desrespeito é bom e eu gosto. Acho que é muito diferente de você rir de minoria. Porque você está rindo do sagrado, de Maomé, de um dogma. Eles não estão rindo do imigrante pobre, de alguém que tá fodido no Metrô e passa por um preconceito. Inclusive, eles são muito críticos à extrema-direita que persegue esses imigrantes. E criticam muito no Charlie Hebdo as medidas xenófobas da França. Eles não são xenófobos. Eles são, sim, antirreligiosos, são ateus, militantes. E acho que você não pode confundir as duas coisas. Islamofobia aí no caso e arabofobia são coisas muito diferentes. Você rir do Alcorão é uma coisa, rir do povo árabe é outra completamente diferente. A gente tenta fazer isso no Porta também, a gente ri muito dos dogmas cristãos, dos nossos pastores – eles estão bilionários, e têm cargos no Congresso, eles têm tudo, eles não são uma minoria nesse caso – a gente evita rir do pobre cristão que acredita naquilo, porque esse cara é muito mais uma vítima do que um algoz.

Tem uma frase do Millôr Fernandes em que ele diz: “Jornalismo é oposição, o resto é secos e molhados”. Você acha que essa frase caberia também para o humor?

Eu acho, porque aí me incomoda muito minha briga com alguns humoristas, que me criticam porque talvez eu esteja defendendo o governo e eles falam ‘humor é oposição, como você está defendendo o governo?’ – mas eu tenho de lembrar que eu não estou defendendo o governo, eu estou atacando a oposição, eu não sou governista, mas oposição à oposição; eu não tenho adesão nenhuma a esse governo, ao contrário, sempre fui supercrítico, minha posição é de oposição a essa oposição que é hegemônica hoje, porque a oposição é maioritária, em todos os sentidos, hoje, não só numérico, como se vê nas ruas, mas também financeiro – ela é mais rica, mais poderosa, tem mais voz, mais volume, mais tudo, então, eu sou oposição hoje, porque ser contra o impeachment é ser oposição. Tem um paradoxo aí, porque a Presidência está tão fraca e bombardeada, que defendê-la é ser de oposição.

A peça que você está fazendo agora (Uma Noite na Lua) vai além do humor, é um monólogo em que você transita por diferentes gêneros. É uma proposta a seguir daqui por diante na sua carreira?

Sim, gosto muito de misturar os gêneros, gosto de humor, mas talvez mais ainda de comoção, não só do drama, mas dessa tentativa de comover as pessoas, sabe, porque eu acho que o humor vai muito bem quando ele está junto com algum drama, alguma tristeza, algo que se imprime na alma. Os humoristas que ficam, você vê, o humor volta e meia passa, a gente deixa de achar graça. Um programa humorístico de 20 anos atrás é difícil de fazer você rir. No entanto, você vê o Chaplin, por exemplo, e você ainda ri, porque aquilo está em algum lugar histórico, canônico, e por quê? Eu acho que é por causa do drama, não por causa do humor, porque o humor fica quando tem uma pitada de drama. O que fica do Chaplin é o drama, junto com a graça. A graça está ligada a essa tragédia humana, você está rindo da condição humana, tem um peso, fica. Quando você está falando da atualidade, da semana, do que passou, aquilo se esvai, eu acho que é uma grande diferença.

No dia 11 deste mês você completa 30 anos, o que significa esse momento?

É difícil porque tem uma coisa muito louca da vida que é quando você começa a ficar mais velho que as pessoas que você... Por exemplo, os jogadores de futebol. E todo mundo sonha em ser jogador de futebol, pelo menos no Brasil, e até pouco tempo atrás eu sonhava, achava que podia largar tudo se me dedicasse muito, podia tentar salvar o Fluminense, aí hoje começa a ficar distante. Nem que eu largue tudo, e só faça isso, eu já estou bichado. Isso é uma besteira, claro, mas é quando você começa a ver que várias coisas você não foi e não fez, e eu tenho uma angústia muito grande por não viver a vida plenamente, de não estar nunca... Nunca morei eu outro lugar que não o Rio de Janeiro, é uma vida pequena em vários sentidos, não viajei muito... Eu gosto muito de ler, então viajo de outras maneiras, mas às vezes meu problema é esse, ter uma vivência de mundo ainda um pouco curta.

Como a poesia e a música afetam você?

Eu tenho muita inveja dos músicos porque eles rompem as barreiras das palavras, da língua e até do intelecto. Você pode se comunicar com alguém que acha tudo completamente diferente de você, e ainda assim se emociona. Wagner (Richard Wagner) não era um compositor menos brilhante porque era nazista. Porque aquilo era do mundo e emociona um judeu a música que ele faz. E vice-versa também. Um nazista talvez chorasse ouvindo Gershwin (George Gershwin), é uma coisa que eu acho que é muito bonita da música. Ela transcende suas certezas, enquanto a literatura faz isso mais dificilmente porque trabalha com as palavras. E a palavra é carregada, alimenta as convicções. É muito mais difícil você romper essas barreiras. Tenho inveja da música.

E da poesia também. Eu queria até voltar a escrever poesia, porque ela diz as coisas de uma maneira tão sutil e tão por debaixo do pano, e eu tento botar isso no que eu escrevo para não ficar só entre convicções, entre porradas. O humor vai bem com poesia, porque dá uma amaciada quando você joga para o lúdico. Sempre que escrevo uma coluna eu releio pensando: será que eu tenho como deixar ela menos direta, mais poética?'. Porque com isso se passa muito melhor a mensagem, por meio de imagens, do que por meio de frases duras e peremptórias.

Eu tento deixar de lado o que é categórico, 'isso é isso', ou tento evitar inclusive esse verbo de ligação, esse 'é' que caga regra, com perdão do termo. Eu tento transformar em coisas mais imagéticas, porque acho que é uma maneira de você chegar também naquele que não concorda com você. Esse é o grande objetivo quando você escreve: escrever para quem não tem o hábito de te ler, para quem não concorda com você, senão você vai ficar naquela retroalimentação de escrever para alguém que vai curtir o que você escreve e vai ficar nessa coisa que é relativamente fácil. Eu acho que bonito é quando você fala para o diferente.

Sai do literal também…

A metáfora é uma boa maneira de atingir aqueles que não concordam muito com você. O Lula sabe disso, é um sujeito que usa metáforas muito bem, e é uma coisa que ele pegou da poesia, da literatura, é engraçado isso, que é um sujeito que usa a língua muito melhor do que pessoas que estudaram e fizeram doutorado, mas ele tem o domínio da linguagem abstrata, que é o grande trunfo dele como político. Ele pega o microfone e traduz essa função do político, que eu acho que a Dilma não tem. Os romancistas e poetas têm isso, essa capacidade de traduzir o mundo em imagens, são os mais fortes os que eu mais gosto. São aqueles que condensam o mundo em uma imagem. Eu acho que essa é um pouco a função da poesia, do humor.

Quais escritores te influenciaram?

Da minha geração tem o (Mário) Prata, que faz isso muito bem, que eu acho genial, tem bons romancistas também, a Carol Bensimon, que eu adoro, o Daniel Galera, um cara que escreve bem à beça. Alguns escritores têm deixado assim a nossa literatura mais poética, não perdem nunca o leitor de vista, acho isso muito saudável. A Tatiana Salem Levy é outra que eu gosto, ela está em Portugal agora, e das outras gerações, claro, Verissimo (Luis Fernando Verissimo). A gente tem a tradição da crônica no Brasil: Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, porque a crônica, por ser um gênero feito para o jornal, tem a vantagem de nunca perder o leitor de vista. Você não pode nunca esquecê-lo. Nossos melhores escritores são os que escreviam em jornal, como Nelson Rodrigues. Nunca perderam o leitor de vista e cujo rabo preso sempre foi com o leitor. Essa é uma grande qualidade do escritor.

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