Ofensiva

CCJ da Câmara mantém MST e governo como alvos e acelera PL que cria 'Cadastro de Invasores'

Presidida pela bolsonarista Caroline de Toni, comissão tenta fechar semestre legislativo aprovando agendas punitivistas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Deputada bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC) pertence à tropa de choque da extrema direita na Câmara e preside a CCJ em 2024 - Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

Em mais um capítulo de mobilização reacionária, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados acelerou, nesta terça (2), a tramitação de uma proposta que prevê a criação do chamado "Cadastro de Invasores de Propriedades (CIP)", uma das pautas que miram o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). De autoria do deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), o texto não chegou a ser votado porque foi concedido um pedido de vista coletiva, o que adia automaticamente a análise final da proposta.

Aprovado em novembro do ano passado pela Comissão Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, o texto propõe a sistematização de dados de indivíduos envolvidos no que o autor chama de "invasões de propriedades públicas ou privadas". Seriam computadas informações como nome completo, CPF, RG, fotografia, data e local da ocorrência, endereço completo e outras. Pela proposta, o cadastro seria preenchido pelas equipes de segurança pública envolvidas na situação, devendo constar ainda em Boletim de Ocorrência (B.O.). Rodolfo Nogueira propõe que esses dados constem nos antecedentes criminais, histórico de registro criminal de um cidadão que fica a cargo do Estado.

A medida tramita como Projeto de Lei (PL) 4432/2023 e tem parecer favorável  da relatora, a deputada Bia Kicis (PL-DF), integrante da tropa de choque bolsonarista no Congresso. Rodolfo Nogueira argumenta que o PL teria o objetivo de "facilitar a identificação e a responsabilização dos envolvidos em casos de invasão", assim como preservar "a ordem pública, a proteção dos direitos de propriedade e a garantia da segurança jurídica". O texto se tornou um novo foco de queda de braço entre a extrema direita e parlamentares do campo progressista na CCJ.

"Por trás de todo projeto de lei – e, depois, de toda lei, se ele for aprovado – existem intenções, existem objetivos. Nenhum PL ou lei é feito gratuitamente, ao deus-dará. [Ele] reflete interesses concretos. Às vezes, reflete também preconceitos, expressa a vontade de retrocessos lamentáveis na história. Essa é uma questão fundamental. Não há nenhuma dúvida sobre o que está por trás desse PL: é tornar intocável, no Brasil, o direito de propriedade, inclusive a propriedade improdutiva, o latifúndio, e penalizar os movimentos sociais", disse o deputado Patrus Ananias (PT-MG), ao afirmar que o PL tem um viés antidemocrático.

O parlamentar ressaltou ainda que a proposta contrasta com garantias previstas na Constituição Federal por ferir a liberdade de associação dos movimentos populares. "Se um movimento é ilegal, se ele está infringindo a lei, o direito, que essa questão seja levada à apreciação da Justiça, e não por caminhos oblíquos."

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) disse que o PL traz à tona uma "concepção policialesca do Estado" por parte dos defensores do texto e que a proposta não vê com profundidade os problemas relacionados à desigualdade no campo.

"Nós entendemos que esse cadastro de supostos criminosos se soma a toda uma politica de altíssima insensibilidade social. Por mais que haja cadastros, repressão, cadeia, isso nunca resolveu o problema social no Brasil. Aliás, é uma postura altamente atrasada, que lembra a República Velha, de Washington Luís, que dizia que a questão social no Brasil era um caso de polícia, quando, na verdade, é um caso de redistribuição da terra. E ela só não basta", argumentou, ao acrescentar que a busca por soluções para os conflitos no campo demanda uma articulação entre a redistribuição das áreas e políticas públicas a ela associadas.

Pautas

Além do PL 4432/2023, outras pautas de perfil punitivista estão na lista de intenções da CCJ. Uma delas é o PL 238/2019, que condiciona garantias concedida aos detentos do sistema prisional pela Lei de Execução Penal à coleta de material biológico para obtenção do perfil genético do preso. Com isso, a proposta limita direitos como a progressão de regime, a saída temporária e a substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.

Também está no radar do colegiado o PL 8262/2017, que autoriza proprietários de terra a acionarem forças policiais para retirada de "invasores" de suas áreas sem a obrigatoriedade de ordem judicial. Outra medida do pacote anti-MST é o PL 4183/2023, que obriga movimentos populares com representação em mais de três estados a terem personalidade jurídica para que possam operar politicamente.

Outra pauta que figura na agenda da ala bolsonarista é o PL 6831/2010, que aumenta as penalidades para crime de estupro. A proposta dialoga com o controverso PL 1904/2024, que ficou conhecido como "PL do Estupro" por criminalizar crianças e mulheres em caso de interrupção de gestação resultante de estupro após as 22 semanas de gravidez.

Defendida pela extrema direita, a medida teve a urgência aprovada em junho no plenário da Câmara, às pressas, em uma articulação que uniu o grupo e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), mas o PL sofreu grande revés por meio de uma ampla campanha de rejeição pelo país. Diante do estrago causado à própria imagem, a ala bolsonarista decidiu formatar o discurso e passar a defender o endurecimento das penalidades para estupradores, na tentativa de tirar o foco do PL 1904/2024, que previa para vítimas de crimes sexuais penas mais rígidas do que as definidas pelo Código Penal para estupradores. O PL 6831/2010 pode ser votado pela CCJ nesta quarta (3).

Edição: Nicolau Soares