PRECARIZAÇÃO

Trabalho escravo na extração de pedras tende a aumentar com as eleições, alerta auditora: 'A demanda está grande'

Todas as pedras produzidas por trabalhadores resgatados tinham como destinatários finais prefeituras ou órgãos estaduais

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Em Murici (AL), os 44 empregados resgatados recebiam 50 centavos por pedra produzida - Pedro Stropasolas

Na última semana, 17 trabalhadores foram resgatados em condições análogas à de escravo na zona rural do município de Taperoá (PB). O Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),  encontrou irregularidades em três estabelecimentos de extração e beneficiamento de paralelepípedos na região. Além dos adultos resgatados, um adolescente de apenas 14 anos foi encontrado trabalhando na construção civil em Juazeirinho, outro município paraibano.

Todos os trabalhadores encontrados estavam sem registro em carteira e alojados em barraco de lona, sem camas adequadas, sem energia elétrica e sem acesso a água potável ou banheiros.

Os trabalhadores também não possuíam equipamentos de proteção individual (EPI), apesar de lidarem com artefatos explosivos artesanais, situação semelhante a que o Brasil de Fato encontrou quando acompanhou o resgate de 44 trabalhadores em uma pedreira na cidade de Murici (AL), em abril do ano passado.

Gislene Ferreira dos Santos Stacholski, auditora fiscal do trabalho que coordena o GEFM nas operações que envolvem a cadeia produtiva da extração de pedra, areia e argila, alerta para um fator preocupante: o aumento da escravidão contemporânea no setor em razão da proximidade das eleições municipais.

"Esse ano é o primeiro de eleições municipais que a gente vai observar e estamos percebendo que toda a cidade pequena está com calçamento. Acredito que a eleição motiva sim contratarem ou tirarem da gavetas contratos para acontecerem agora, por motivação óbvia de angariar votos. Um dos contratos que peguei agora é de 2022. Estava parado. E colocaram em prática esse ano", analisa Stacholski ao Brasil de Fato.

No caso do resgate na Paraíba, segundo a auditora, as pedras extraídas eram destinadas a obras públicas de pavimentação contratadas por prefeituras da região. Apenas nos últimos seis meses, foram resgatados no estado 79 trabalhadores vítimas de trabalho escravo na atividade de extração de pedras paralelepípedos. Em dezembro passado, uma operação já havia resgatado 62 trabalhadores em Campina Grande (PB). 


Operação encontrou condições de trabalho análogo ao escravo em três estabelecimentos de extração e beneficiamento de paralelepípedos na Paraíba / MPT/Divulgação

Apesar da alarmante preocupação com o estado, que, ao lado de Piauí e Alagoas, é o que mais apresenta tendência de crescimento no número de trabalhadores resgatados, a auditora pontua que a situação "é uma prática cultural das prefeituras" em todo o país.

"Todas as pedras que identificamos fazer parte da cadeia, em todos os estados, têm como destinatários finais prefeituras ou órgãos estaduais", explica a auditora.

"São diversas prefeituras, não é uma só. É uma prática comum. Todas as prefeituras contratam empresas que pegam pedra de onde tem. A demanda pela pedra é muito grande, mas como os preços são muito antigos, eles pagam uma miséria pela pedra. As próprias prefeituras estão quase ditando os preços", completa.

Aumento de resgates nos últimos dois anos

O resgate de pessoas do trabalho escravo contemporâneo na cadeia da pedra gera preocupação para a Inspeção do Trabalho pelo aumento vertiginoso observado nos últimos anos.

Para se ter uma ideia, de 2006 até 2021, foram 226 trabalhadores resgatados no setor. Esse número foi ultrapassado apenas em 2022 e 2023, que somaram juntos 264 trabalhadores resgatados em pedreiras no país. Os dados são do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.

Diante do quadro de precarização sistêmica na cadeia produtiva da extração de pedra, o  Ministério Público do Trabalho na Paraíba está implementando o projeto nacional "Reação em Cadeia", da Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (CONAETE/MPT).

O objetivo é que, junto com prefeituras, o Ministério Público Estadual, os órgãos ambientais, o Tribunal de Contas do Estado e os sindicatos de trabalhadores, o órgão possa formular políticas públicas para implementar boas práticas por parte dos municípios.

No último dia de operação, o MPT chegou a se reunir com representantes da Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup) para discutir as estratégias e implementar medidas de prevenção e combate ao trabalho escravo no segmento.

"A receptividade da Famup foi plena, no sentido de colocar os municípios como atores centrais não no fomento à precarização, mas sim como promotores e garantidores da dignidade dos trabalhadores neste segmento", pontuou a procuradora do Trabalho Marcela Asfóra.

Edição: Nicolau Soares