LUTA PELA TERRA

Comunidade Canaã, na Paraíba, enfrenta pressões para desocupar território ocupado há mais de 40 anos

Após falência nos anos 1990, antigos funcionários da Usina receberam a terra como parte de um acordo trabalhista

João Pessoa - PB |
Moradora tentando travessia no Rio Paraíba, as margens da comunidade, após chuvas terem rompido com a única ponte de acesso - Imagem Reprodução

A comunidade Canaã, localizada no município paraibano de Santa Rita, onde antigamente existia o Engenho de mesmo nome, sofre reiteradas investidas para desocupar o território em que habita há cerca de 40 anos.

Formada por antigos funcionários da Usina (a qual faliu em meados dos anos 1990), os trabalhadores receberam do antigo dono a terra como proposta de acordo trabalhista, tendo em vista que as contas de muitos funcionários não foram pagas.

Porém, como o acordo foi feito de maneira informal, as terras da usina chegaram a ser vendidas recentemente para Eitel Santiago Silveira, do grupo Santiago, que agora se diz dono da área. O conflito envolve, agora, o Ministério Público Federal. 

O grupo chegou com a oferta de valores - considerados irrisórios pelos moradores - para a compra das casas. Cerca de 45 famílias dizem sofrer cotidianamente com outras ações como a solicitação de aluguel para comprovar que as residências foram cedidas.


Audiência pública na comunidade com presença do CEHAP, Presidente Emília, MPF, José Godoy, organizações sociais e vereadores da cidade / Foto: Arquivo Pessoal

Além disso, escavações para cultivo de camarão vêm sendo realizadas perto das residências, fazendo com que as casas fiquem em situação precária, dificultando o acesso à comunidade ao poder público e às unidades de saúde, por exemplo. Segundo Suellyton de Lima, advogado do Centro de Direitos Humanos Dom Oscar Romero (CEDHOR), "tudo isso é para que as pessoas da comunidade vendam suas casas a preços baixos para o proprietário, que alega ter comprado toda aquela região".

Os moradores têm contado com o apoio do Ministério Público Federal, que, junto à comunidade, luta para proteger a moradia, o meio ambiente e as construções que fazem parte da história do território.

José Godoy, Procurador da República na Paraíba, destaca que o Ministério Público Federal tem acompanhado este caso desde o final do ano passado, iniciado por uma representação feita por um líder comunitário.

"Atualmente, possuímos um laudo antropológico que identifica a comunidade como tradicional, com vínculos ancestrais ao território ao longo de várias gerações. Esta comunidade enfrentou grandes dificuldades no passado devido ao fechamento da usina na década de 1990, que resultou na perda de direitos trabalhistas. Após um acordo informal, eles permaneceram na área, continuando a cultivar e desenvolver suas culturas. Recentemente, houve uma nova compra da terra e o novo proprietário ignorou todos os acordos anteriores, utilizando diversas formas de violência contra a comunidade. Esta situação tem gerado preocupação no Ministério Público Federal e na Defensoria Pública do Estado da Paraíba, que têm trabalhado juntos para garantir que a comunidade tenha seus direitos assegurados, incluindo a regularização de seu território, ao qual possuem vínculos históricos profundos", explica ele.

Godoy acrescenta que a comunidade luta pelo acesso aos serviços públicos essenciais, como saúde e educação no município de Santa Rita. "O processo de regularização fundiária urbana está sendo acompanhado de perto para garantir que o município de Santa Rita cumpra as medidas necessárias, conforme previsto na Lei 3465", afirma.

Projeto de Carcinicultura

Segundo os moradores, para a construção dos viveiros de camarões e peixes, os proprietários realizam escavações 24 horas por dia em toda a área, inclusive a poucos metros das casas e dos prédios históricos, como o da igreja e do antigo bueiro. Esta ação faz com que as construções fiquem fragilizadas e possam ruir "acidentalmente".

Para Gabriela Brito (Coordenadora do CEDHOR), a entidade, que é uma das organizações envolvidas, sentiu-se comovida com a situação daquela comunidade.


Formação sobre terra e território com o CEDHOR, MTD e OBUNTU / Foto: Arquivo Pessoal

“Nós nos juntamos a outros órgãos e instituições para tentar fortalecer essa luta e efetivar o direito à moradia dessas pessoas. Desde que tomamos conhecimento da situação, nos propusemos a realizar reuniões para entender um pouco mais sobre quais são as dificuldades da comunidade, que vão muito além dessa violação do direito à moradia”, disse ela.

A ponte que liga a comunidade a outras localidades é um dos principais problemas estruturais enfrentados. Toda vez que há uma cheia no Rio Paraíba, a água leva a estrutura. “Tentamos diariamente encontrar soluções para que o poder público, principalmente a gestão municipal, faça um trabalho mais efetivo na comunidade, garantindo o acesso a alguns serviços, como a construção de uma ponte de qualidade. A ponte é bastante precária e só permite a passagem de bicicletas, o que limita a mobilidade e acessibilidade das pessoas, especialmente cadeirantes”.

Segundo a moradora Márcia F. (nome fictício), o novo proprietário vem investindo propositalmente em empreendimentos que perturbam a paz e a tranquilidade local.

“Estão fazendo um viveiro na porta da casa das pessoas, e tudo o que tiram de entulhos e metralhas colocam na margem do rio, como se estivessem diminuindo o rio para aumentar o terreno dele. Além disso, as máquinas trabalham a noite toda e a gente não consegue dormir com o barulho”.

Alguns moradores chegaram a sugerir que os funcionários trabalham no terreno armados, embora esse seja, ainda, um fato sem confirmação. Marcia F. conta que já escutou tiros na madrugada.

Um belo dia, cobrança de aluguel

“Quando chegaram aqui, foi um dia de domingo, e já foram logo entregando um contrato de aluguel. Era um senhor que se dizia procurador do proprietário, a filha dele que é advogada, e ao todo, cerca de quatro pessoas entregando um documento e já cobrando o aluguel”, descreve Maria.

No papel, dizia que o proprietário aceitava, por até alguns anos, a presença dos moradores no local, desde que pagassem aluguel. No entanto, os moradores não assinaram aquilo que, para eles, se configuraria como uma declaração de posse da casa para o proprietário.

Após este momento, começaram a chegar empregados do proprietário oferecendo cerca de R$ 10 mil pelas casas que, segundo os representantes, seriam derrubadas porque o interesse do proprietário era exclusivamente o terreno.

Uma moradora chegou a aceitar a venda da casa: “Cavaram tão fundo no sopé da casa dela para construir esse viveiro de camarões que ela ficou com medo da casa cair. Então ela vendeu, e foi morar de aluguel”, explica Marcia F.


Audiência pública no MPF com presença de José Godoy, Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública Estadual e Sudema / Foto: Arquivo Pessoal

Além do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Dom Oscar Romero (CEDHOR), outras entidades estão envolvidas na defesa dessa população, como: a União Santa-ritense de Associações Comunitárias (USAC), O OBUNTU (Projeto de Extensão do Curso de Direito DCJ/UFPB), Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Por Direitos (MTD), e o Ministério Público Federal, através do Procurador José Godoy.

O Jornal Brasil de Fato PB buscou a defesa do grupo Santiago, representada pelo advogado Eric Montenegro, que não se manifestou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação. 


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Fonte: BdF Paraíba

Edição: Cida Alves