Debate na Venezuela

Evento em Caracas discute expansão do sionismo no mundo e os efeitos jurídicos dos ataques de Israel à Faixa de Gaza

Jornalista brasileiro Breno Altman destacou a importância de entender o contexto histórico e a fundamentação do sionismo

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
O jornalista brasileiro Beto Almeida também participou do evento como palestrante - Luis Flores Delgado

Diplomatas, juristas e pesquisadores se reuniram nos últimos dois dias para discutir em Caracas o genocídio promovido por Israel na Faixa de Gaza. Organizado pelo Centro de Estudos Latinoamericanos e do Caribe Rómulo Gallegos (Celarg), o seminário “Um Novo Holocausto no Século 21 – o sionismo ameaça o mundo” foi encerrado nesta sexta-feira (14) com o discurso de embaixadores e ministros.

Durante dois dias, palestrantes do Brasil, Argentina, Chile, México, Cuba, Bélgica e Venezuela falaram sobre o histórico na região, a tragédia humanitária promovida por Israel na Palestina, as consequências jurídicas do massacre e os desafios para encerrar este ciclo de violência.

A organização ficou a cargo de Sergio Rodríguez Gelfenstein, da Fundação Celarg. O pesquisador e internacionalista afirmou que um dos principais responsáveis pela guerra são os Estados Unidos, que, de maneira “hipócrita”, financiam a guerra ao mesmo tempo em que falam em negociações diplomáticas.  

Ao todo, foram 4 painéis. No primeiro, 3 convidados judeus falaram sobre a construção do Estado de Israel e as fundamentações teóricas elaboradas para a expansão do sionismo. Em seu discurso, o jornalista brasileiro e fundador do Opera Mundi, Breno Altman, falou sobre a importância de caracterizar o sionismo –movimento político que surgiu no final do século 19 e tem como princípios fundamentais a criação de um estado étnico, judeu, o estado de Israel, e que esse estado fosse construído na Palestina, terra ancestral dos judeus.

De acordo com ele, só é possível “compreender o papel do sionismo se entendemos a sua história de consolidação”. De acordo com o jornalista, a fundamentação do sionismo se deu a partir do antissemitismo (perseguição contra os judeus), do expansionismo britânico ao final do século 19 e a luta contra a principal corrente do judaísmo não-religioso, fundada por Karl Marx. 

Breno Altman discursou ao lado do jornalista e sociólogo argentino, Jorge Elbaum. Para ele, o massacre na Palestina faz parte de uma disputa que envolve a tentativa de grandes potências de impor seu modelo cultural, econômico e político ocidental para o resto do mundo.

“Há a disputa entre um modelo neocolonial, neoliberal que tenta evitar a emergência de um mundo horizontal e multicultural e que quer arrasar com as diferentes formas de perceber o mundo. Quer construir uma única maneira de comer, pensar… É o que prega Washington, Bruxelas e que se está encontrando hoje no G7”, afirmou.

O jornalista mexicano José Steinsleger disse que a construção recente do sionismo tem como ponto fundamental a aprovação de uma lei básica em 2018 que declara Israel como um Estado judaico e estabelece a supremacia de um grupo étnico. De acordo com ele, a lei é “muito mais extremista que as anteriores” por negar o direito à autodeterminação nacional de outros grupos no território que seria de Israel.

“Isso teve muitas críticas internacionais, começando pelas grandes organizações. A crítica dizia que é uma das leis mais racistas do mundo. A fórmula do governo de Netanyahu desde 7 de outubro para resolver isso é parte de um projeto político que tem como propósito exterminar a todos os palestinos, começando com as crianças, o futuro, passando pelas mulheres e acabando com os idosos, sua memória”, afirmou.

A abertura do evento também contou com a participação do embaixador da Palestina em Caracas, Fadi Alzaben. De acordo com ele, o conflito não tem origem religiosa e que antes da ocupação da Palestina, os judeus “viviam em paz e harmonia”.

"O sionismo não tem fronteiras. Existem sionismos em todo o mundo. Este acontecimento permite-nos evidenciar a situação genocida que a extrema direita perpetrou contra o nosso país. Estamos à espera de uma solução. O Estado de Israel desfruta de uma cultura de impunidade", afirmou.

Discussão jurídica

Além das questões políticas envolvendo o massacre de Israel, o seminário contou com um painel voltado para os pontos em que Israel fere o direito internacional. Para a advogada venezuelana e especialista em direito internacional Ana Cristina Bracho, os tribunais internacionais responsáveis por julgar casos envolvendo diferentes países “colocam no mesmo pacote o agressor e o agredido”. 

"O que estamos vendo que acontece na Palestina é que alguns podem fazer tudo que está proibido pelo direito internacional. No direito internacional há uma relatividade, já que não há uma Constituição que baliza como no direito nacional. E essa relatividade é colonialista. Israel é um Estado que não ratifica o direito internacional. As sanções são muito deficientes”, afirmou. 

De acordo com ela, o país desrespeita muitos critérios do direito internacional não só com os ataques que ocorrem desde 7 de outubro de 2023 a unidades de saúde e escolas, mas impedindo o envio de suprimentos em territórios que são ocupados há séculos.

“Estamos falando sobre territórios em que há uma ocupação. Esses territórios têm um regime jurídico. Tudo que faz uma potência que ocupa tem obrigações, como provimento de medicamentos, algo que está sendo descumprindo. Há uma enorme escassez de alimentos, água e outros artigos de primeira necessidade. Isso é um fato público, não precisa da apresentação de provas por um país como no direito convencional”, disse. 

Já a advogada Olga Alvarez afirmou que os ataques israelenses promovidos pelo governo de Benjamin Netanyahu já são um crime internacional reconhecido pelo Estatuto de Roma – documento que criou a Corte Penal Internacional e que tem atuação sobre crimes de genocídio. Mesmo que Israel não seja signatário, ele pode julgar pedidos de países terceiros para analisar o caso. Para ela, os tribunais internacionais têm demorado para classificar o caso e fazem uma equiparação que perdeu o sentido com o tempo. 

“Sempre se fala da condenação ao exercício da resistência palestina, sempre que se tenta acusar, acaba condenando os ataques prévios de Hamas a Israel, considerando que existe o direito à defesa. Mas não é possível fazer essa equiparação pelo tempo e a força empenhada para isso”, afirmou.

Edição: Rodrigo Durão Coelho