Disque 100

Denúncias de violência sexual caem no DF contra crianças e adolescentes em 2024, mas subnotificação preocupa

Em 76% dos casos, suspeito é da família; machismo contribui para subnotificação entre meninos, apontam especialistas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
A maioria das vítimas são meninas, enquanto 68% dos suspeitos são homens - Febrasgo

O Disque 100, canal de acolhimento de demandas relacionadas a violações de direitos humanos no país, recebeu, entre janeiro e a segunda semana de maio deste ano, 135 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no Distrito Federal. 

O número é menor do que o registrado no mesmo período de 2023, quando foram denunciados 171 casos, mas especialistas ouvidas pelo Brasil de Fato DF asseguram que a diminuição é resultado da falta de notificação, especialmente nos casos em que as vítimas são meninos.

"Não há evidências científicas de que as variações apontando menores índices [de denúncias de violência sexual] signifiquem de fato uma diminuição do número de casos. Fatores como o medo, o estigma, a ausência de meios e a falta de confiança na família levam as pessoas, e especialmente as crianças e os adolescentes, a não falarem sobre fatos relacionados à violação de sua dignidade física e moral, como a violação de seus corpos", explicou à reportagem a vice-coordenadora do Núcleo de Estudos da Infância e da Juventude da Universidade de Brasília (NEIJ-UnB), Ailta Barros. 

Segundo a professora, a literatura científica aponta que cerca de 30 a 80% das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual não revelam a agressão que sofreram. Os fatores que levam ao silêncio e à omissão estão ligados sobretudo ao medo das consequências negativas para as pessoas envolvidas, já que em grande parte dos casos os agressores são familiares ou conhecidos da família. 

Machismo e silenciamento

Em 63% das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes recebidas pelo Disque 100 no DF neste ano, a vítima era do gênero feminino. O maior número de casos foi registrado na faixa etária de 13 e 14 anos. Já os suspeitos são principalmente homens (68%).

De acordo com Neusa Maria, psicóloga e coautora do Eu Me Protejo, um projeto de educação para prevenção contra a violência na infância, estes números vão na mesma direção de outros estudos que indicam que as meninas são as principais vítimas de violência sexual. 

"As meninas são o alvo maior do abusador, porque os agressores consideram que elas são frágeis e não vão ter resistência ao abuso", explicou ao Brasil de Fato DF. "Além disso, as agressões acontecem quando elas estão na idade pré-escolar e adolescência, mas antes da menstruação, porque como é um abuso intrafamiliar, quando as meninas menstruam, elas correm o risco de engravidar, então eles podem ser descobertos", observou.


Meninas são alvos principais de abusadores / Marcelo Casal Jr/ Agência Brasil

Em cerca de 76% dos casos – isto é, em 103 das 135 denúncias registradas no Disque 100 – o suspeito e a vítima tinham alguma relação familiar. Os principais agressores são pais (28 casos), mães (20), tio/a (11) e padrasto/madrasta (10). 

Segundo a vice-coordenadora do NEIJ-UnB, a prevalência do abuso intrafamiliar é um fator que contribui para que muitos casos não sejam denunciados. "A revelação do abuso também conduz a uma crise imediata nas famílias, podendo mudar a configuração da família para proteger a criança, assim como seu deslocamento do lar, ficando dependente de outro adulto para sua proteção. Se o abusador for provedor da família, pode ocorrer um paradoxo, pois a pessoa que constituía perigo para a criança se afasta, mas isso acaba ampliando a situação de vulnerabilidade de toda a família", frisou. 

As duas especialistas ouvidas pela reportagem concordam que o machismo e a homofobia contribuem para a subnotificação de violência sexual sofrida por meninos. 

"Os meninos também passam por abuso sexual em que os abusadores são homens e eles [as vítimas] ficam inseguros, com medo de que as pessoas possam colocar em crédito a sua masculinidade", apontou Neusa Maria. 

Para Ailta Barros, a falta de credibilidade no sistema legal, a desqualificação dos relatos da criança ou do adolescente e a estigmatização das vítimas masculinas também contribuem para o silenciamento. 

"Os meninos são menos encorajados a denunciar a violência sexual, por medo de serem rebaixados, já que a cultura patriarcal e machista não admite homens fracos e em situação de submissão, características essas, segundo essa cultura, tipicamente feminina, além do medo do estigma da homossexualidade já que a sociedade brasileira é fortemente homofóbica", ressaltou a professora da UnB. 

Rede de proteção 

Uma rede de proteção articulada, com equipes multidisciplinares que atendam a toda a família, é essencial para que as vítimas e seus responsáveis se sintam confiantes para denunciar. 

"Se você fez a denúncia, o que vai acontecer com essa denúncia? Qual vai ser o fluxo? Quais são os dispositivos disponíveis?", questionou Neusa Maria. "O fato das redes [de atendimento] não estarem integradas torna difícil para que a gente possa trabalhar a intervenção. A falta de integração impede que a gente possa tratar os danos da criança e que ela tenha um desenvolvimento emocional saudável", alertou a psicóloga. 


Educação sexual previne abusos, mas grupos conservadores tentam abolir o conteúdo das salas de aula / Federico Parra/AFP

A coautora do projeto Eu Me Protejo também criticou a postura de grupos e políticos conservadores que tentam minar a discussão de educação sexual nas escolas.

"Eu penso que esse conservadorismo vai naturalizando ainda mais a violência", advertiu. "Esse é um tema urgente e necessário e que a gente precisa trabalhar nas bases da educação. Não tem idade certa para começar a trabalhar com a prevenção. Desde quando a criança nasce, a gente já vai ensinando sobre permissão, a cuidar do corpo".

A falácia da "ideologia de gênero" é o principal argumento usado por esses grupos para atacar os educadores que levam para as salas de aula temas ligados à sexualidade.

"É uma construção que atrapalha, faz com que a gente não consiga trabalhar com a prevenção. Eu trabalhando com o tema nas bases da educação há muitos anos, nunca vi uma aula de educação sexual em que fosse estimulado a erotização ou sexualização da criança. Isso não existe", defendeu a psicóloga. 

Como denunciar

O Distrito Federal conta com uma Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) localizada no Setor Policial Sul, próximo ao Parque da Cidade.  Essa delegacia especializada atua a partir de protocolo criado em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), voltado para depoimento especial para crianças e adolescentes. 

Além disso, as ocorrências podem ser feitas em qualquer delegacia das Regiões Administrativas ou na Delegacia eletrônica.

Onde ligar?

100 - Disque 100 – Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania

125 – Coordenação do Sistema de Denúncias de Violação de Direitos da Criança e do Adolescente (Cisdeca)

197 – Disque denúncia Polícia Civil/DF

129 – Disque Defensoria

Denúncia on-line

Delegacia Eletrônica

Ouvidoria do MPDF

Atendimento Virtual da Defensoria Pública do DF

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Márcia Silva