Dia da Vitória

Cerco de Leningrado: o heroísmo de um dos capítulos mais trágicos da história da Rússia 

Rússia comemora neste 9 de Maio a vitória soviética contra o Nazismo; data tem significado especial para São Petersburgo

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Imagem de arquivo durante o período do Cerco de Leningrado, em 1943. - Serguei Shymanski / Russianphoto.ru

A Rússia celebra nesta quinta-feira, 9 de maio, o feriado mais importante do país, o Dia da Vitória, que comemora o triunfo soviético contra a Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial. E para contar um pouco desta história, O Brasil de Fato aborda um dos capítulos mais heroicos e, e ao mesmo tempo, trágicos da resistência soviética contra os avanços de Hitler na guerra: o Cerco de Leningrado.

Entre setembro de 1941 e janeiro de 1944, a Alemanha Nazista estabeleceu um cerco à cidade como parte da invasão à União Soviética, a Operação Barbarossa. A decisão de Hitler foi de destruir a cidade por dentro, ao invés de ocupá-la. Os intensos bombardeios e o corte das rotas de acesso da cidade com o resto do país fizeram com que Leningrado, a atual São Petersburgo, fosse assolada pela fome.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o historiador Nikita Lomagin, que há mais de 30 anos se dedica aos estudos sobre o Cerco de Leningrado, conta que Leningrado representava um objetivo simbólico, político e estratégico para os planos de Hitler.

Por um lado, a cidade era o símbolo e berço da Revolução Russa, portanto, ao tomar Leningrado, "[Hitler] poderia romper mais profundamente o espírito da União Soviética". Por outro, Leningrado representava 35% do potencial de defesa da União Soviética, praticamente todo o espectro da indústria militar e das instalações de construção naval se concentravam na cidade. "Inicialmente o significado de Leningrado para Hitler era até maior do que Moscou", afirma o historiador.

"Hitler queria tomar Leningrado em um período de 6-8 semanas, o que não conseguiu. Então, em 28 de agosto de 1941 foi tomada a decisão de que, por conta das rotas terrestres e ferrovias de Leningrado estarem cortadas, uma grande cidade como esta não sobreviveria, e poderia se adotar um cerco à cidade. A ideia não era entrar na cidade, porque isso poderia gerar grandes baixas, combates de rua não dariam vantagem aos tanques alemães, então foi tomada a decisão de que se deveria destruir o sistema de defesa aérea com bombardeios, destruir os sistemas de subsistência e daí a fome resolveria o destino de Leningrado", explica Lomagin.

:: Dia da Vitória: Rússia usa data histórica para justificar guerra na Ucrânia ::

Cerca de 1 milhão de pessoas morreram durante o cerco. A população de Leningrado até 1941 era de cerca de 3 milhões de pessoas. Apenas 3% da população morreu pelos bombardeios alemães, enquanto 97% das vítimas do cerco morreram de fome.

Memória viva

São Petersburgo até os dias de hoje preserva a memória da resistência da cidade em diversos museus, monumentos e símbolos, que resgatam e fortalecem a homenagem aos sacrifícios que a população de Leningrado enfrentou. Rastros da tragédia e do heroísmo da cidade viraram monumentos.

A foto de arquivo abaixo, por exemplo, mostra a mensagem na parede de um prédio na principal avenida da cidade, que diz: "Cidadãos! Durante o bombardeio, este lado da rua é o mais perigoso!". 


Informação aos cidadãos na parede da Avenida Nevski, em Leningrado, em 1943, que diz: “Cidadãos! Durante o bombardeio, este lado da rua é o mais perigoso!" / Serguei Shymanski / Russianphoto.ru

 

Um dos monumentos mais emblemáticos da cidade que homenageia o heroísmo de Leningrado faz referência à única brecha do cerco por onde era possível evacuar os civis e transportar cargas. A única rota de acesso que Leningrado tinha ao resto do país e que as forças alemãs não tinha conseguido ocupar era pelo Lago Ladoga, no nordeste da cidade, por onde foi realizada a evacuação de civis e o transporte de alimentos, remédios e cargas militares.

Essa rota ficou conhecida como a "Estrada da Vida". Mais de 16 milhões de cargas e mais de 1 milhão de pessoas passaram por essa rota, realizada por uma estrada construída por cima do gelo durante o inverno, e por embarcações quando o lago descongelava.

Nikita Lomagin conta que era uma logística muito complexa e arriscada de se realizar, pois "os automóveis deveriam fazer esse transporte sob condições de possíveis bombardeios alemães ou tiroteios, faziam o deslocamento com farois semi-apagados, havia postos especiais que mostravam a direção da rota, etc".

"Minha avó, junto com a minha mãe, foram evacuadas de Leningrado no final de março de 1942, e essa é uma das suas lembranças mais fortes dos tempos de guerra, quando na frente delas, um dos automóveis afundou junto com todas as pessoas que transportava. Era uma ação muito arriscada, e os automóveis não eram ideais, o frio, os automóveis que transportavam as pessoas não eram cobertos, também haviam ônibus, mas, mesmo assim, era uma logística e organização muito difícil", completa.

Em outubro de 2022, o Tribunal da Cidade de São Petersburgo determinou que as ações da Alemanha Nazista durante o cerco de Leningrado deveriam ser classificado como um crime de guerra e genocídio do povo soviético. A decisão foi tomada a partir da análise de documentos oficiais alemães da época que mostram que a aniquilação da população civil era consentida e executada por todas as divisões militares nazistas que compunham o cerco.

O historiador Nikita Lomagin, que foi um dos analistas a testemunhar no tribunal durante a análise do processo, conta que, em seu testemunho, apresentou documentos alemães sobre o planejamento do que aconteceu na cidade, incluindo decretos, não só do comando supremo, mas de comandantes das divisões que cercavam Leningrado, assim como documentos chamados de "diários das ações militares" sobre verificações das divisões, do quanto elas estavam prontas para cumprir certos decretos. Essa documentação, segundo ele, mostra que o que “os nazistas fizeram em relação a Leningrado a partir de 28 de agosto de 1941 foi um genocídio”.

"Todas as divisões alemãs, todas os militares alemães que se encontram nos arredores de Leningrado, eles sabiam o que estavam fazendo, eles sabiam que a população de Leningrado estava cercada, independentemente se eram comunistas, judeus, combatentes ou não combatentes. A questão era a destruição da população civil", explica.

"Eles planejaram a morte da população, fizeram todo o possível para que a população morresse, sabendo disso, e, acima de tudo, tomavam todas as ações necessárias para que isso acontecesse em um curto período de tempo. Todos os elementos do conjunto de crimes que na norma penal moderna compõem o que se chama de genocídio existiram aqui", completa o historiador.

Além de ser a primeira cidade que Hitler não conseguiu tomar em suas ofensivas durante a Segunda Guerra Mundial, a resistência de Leningrado foi crucial para a defesa da União Soviética e a manutenção da coalizão anti-Hitler como um todo.

"A defesa de Leningrado, podemos dizer isso sem dúvida, salvou Moscou. E a salvação de Moscou significava que foi possível fortalecer a coalizão anti-Hitler. Ficou claro para os aliados que a União Soviética iria lutar, que segurar duas das maiores cidades como Moscou e Leningrado, mesmo que em condições difíceis, permitiria manter esta luta", completa.

No final do inverno de 1943-44, a situação na linha de frente perto de Leningrado mudou a favor das tropas soviéticas. As forças do Exército Vermelho foram significativamente reabastecidas e superaram em número de combatentes e de armas as tropas nazistas.

O cerco foi rompido em 18 de janeiro de 1943 e, um ano depois, foi totalmente levantado em 27 de janeiro de 1944 durante a operação Leningrado-Novgorod. Leningrado resistiu por quase 900 dias.  

Edição: Rodrigo Durão Coelho