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Ruralistas atiram bombas caseiras contra acampamento do MST no Espírito Santo

Explosão ocorreu perto de idosos e crianças; homens armados ameaçam invadir fazenda ocupada pelo movimento

Brasil de Fato | Londrina (PR) |
Uma das bombas caseiras arremessadas dentro de acampamento no MST não explodiu e será desativada pelo esquadrão antibombas da PM - Divulgação/MST

Ruralistas armados que promovem um cerco a uma fazenda ocupada por sem-terra no Espírito Santo atiraram bombas caseiras dentro de um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O atentado ocorreu na área rural do município de São Mateus, a 220 km da capital Vitória (ES). O cerco de fazendeiros começou na quarta-feira (17), após a área ser ocupada pelo MST, como parte do Abril Vermelho.

A explosão foi ouvida na noite de quarta perto de onde estão acampadas 200 famílias sem-terra, incluindo crianças e idosos, mobilizados na Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária.

"Identificamos duas bombas, uma delas não explodiu. A outra explodiu muito alto. A sorte é que não tinha pessoas muito próximas do alambrado. Mas elas também não estavam tão longe [da explosão]", narrou ao Brasil de Fato Lia Fernandes, integrante do MST.

Segundo o MST, o estrondo provocou dores nos ouvidos e na cabeça de quem estava próximo da detonação. Não houve feridos com gravidade. Os autores do crime não foram identificados. Ninguém foi preso.

"As pessoas [próximas da explosão] sentiram os tímpanos e ficaram com muita dificuldade de escutar depois. Também tiveram dores de cabeça", contou Lia Fernandes, que está no local.


Polícia Militar isolou área onde está a bomba não detonada / Divulgação/MST

O MST declarou que o cerco é encabeçado pelo grupo ruralista "Invasão Zero" e pelo deputado federal Evair de Melo (PP-ES), que é coordenador estadual da Frente Parlamentar Invasão Zero, criada pela bancada ruralista no Congresso.

O "Invasão Zero" disse ao Brasil de Fato que está ciente da mobilização ruralista em São Mateus, mas negou participar do cerco ao acampamento do MST. Procurada desde quarta-feira (17), a assessoria de Evair de Melo não respondeu.

PM enviará esquadrão anti-bombas

O 3º Batalhão de Polícia Militar do Espírito Santo informou que policiais isolaram a área e que uma equipe especializada em desativação de explosivos foi acionada para detonar o artefato com segurança.

"Foi constatado que há um artefato semelhante a um explosivo, conforme evidenciado por uma análise fotográfica realizada pelo Batalhão de Missões Especiais (BME)", disse uma nota da PM que não informa se houve diligências para localizar os autores do crime.

Os sem-terra afirmam que as bombas foram arremessadas por fazendeiros armados que ameaçam, xingam e monitoram a ocupação com drones. Com carros e caminhonetes, o grupo ruralista se concentrou próximo de um alambrado que cerca a propriedade ocupada.

​​A ocupação da fazenda em São Mateus integra a Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária, que ficou conhecida como Abril Vermelho. Como resposta, o grupo ruralista “Invasão Zero" organiza o "Abril Amarelo", prometendo desfazer à força as ocupações por meio da mobilização de proprietários rurais.

Ameaçado e monitorado, acampamento será despejado

A Justiça determinou a reintegração de posse da fazenda ocupada pelo MST em São Mateus (ES), que deve ocorrer dentro de 15 dias. Ministério Público Federal (MPF) e Secretaria de Direitos Humanos do Espírito Santo acompanham o caso.

Segundo Lia Fernandes, os ruralistas armados ameaçaram invadir o acampamento, mas a ação foi dissuadida pela presença da PM, que acompanha a ocupação. Enquanto isso, os sem-terra afirmam serem monitorados por drones não identificados. 

"Eles [ruralistas] fazem ameaças, mostram armas e falam para nós: 'agora a polícia está aqui, mas a gente vai voltar'", relatou Lia Fernandes.

"Um carro da polícia está aqui de plantão no asfalto, do lado de fora. Mas uma coisa estranha aconteceu. O policial estava filmando os carros que saíam do acampamento. É um jeito também de nos monitorar", observou a integrante do MST.

Ofensiva de ruralistas já resultou no assassinato de uma indígena

Em janeiro deste ano, uma situação semelhante, com cerco armado do "Invasão Zero" contra uma ocupação rural, resultou no assassinato da líder indígena Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, na Bahia. A perícia comprovou que o tiro partiu da arma do filho de um fazendeiro.

O incidente no Espírito Santo ocorre em meio a uma ofensiva nacional de proprietários de terras contra a luta coletiva pela reforma agrária, um direito garantido pela Constituição segundo o Ministério Público Federal (MPF), que já manifestou temor pelo aumento da violência no campo. 

Mobilizações de fazendeiros que tentam desfazer à força ocupações de terras se intensificaram a partir da criação do "Invasão Zero", um grupo formado por grandes fazendeiros baianos que virou frente parlamentar no Congresso e se espalhou por pelo menos nove unidades da federação.

O MPF já afirmou ao Brasil de Fato que as ações do "Invasão Zero" e grupos semelhantes podem ser consideradas criminosas e são análogas ao funcionamento de milícias rurais, ao contrário da luta coletiva pela terra, que é um direito previsto na Constituição.

"Assiste-se hoje no Brasil a organizações paramilitares que têm contado com parcela do aparato estatal para perseguir movimentos sociais, trabalhadores rurais, povos indígenas e comunidades quilombolas. O caso de Nega Pataxó, assassinada em janeiro na Bahia, é o mais emblemático", afirmou o MPF em um ofício.

Edição: Nicolau Soares