As eleições para a escolha dos governadores de estado em 2022 estarão sob forte influência da disputa nacional entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Essa é uma das principais certezas do professor de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Josué Medeiros, em entrevista ao Brasil de Fato.
Na conversa a seguir, ele reconhece a força como cabo eleitoral do prefeito do Rio, Eduardo Paes, de saída do DEM para o PSD, mas afirma que o efeito é limitado. "O estado do Rio terá uma eleição extremamente nacionalizada, pautada pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Provavelmente, será o estado com maior incidência dessa nacionalização", explica Medeiros.
O cientista político comentou também que não enxerga uma aliança entre Paes e o deputado federal Marcelo Freixo (Psol) no primeiro turno. Medeiros argumenta que Paes deverá primeiro apostar em um nome novo, como o do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ), Felipe Santa Cruz e, apenas no segundo turno, apoiar Freixo contra o candidato de Bolsonaro, que possivelmente será o governador do Rio, Cláudio Castro (PSC).
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Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Na sua avaliação, quem tem chances de assumir o papel de representante do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Rio de Janeiro? O governador Cláudio Castro (PSC) ou o prefeito de Caxias, Washington Reis (MDB), outro eventual candidato da direita?
Josué Medeiros: Acredito que hoje o candidato do bolsonarismo ao governo do Rio é o atual governador Cláudio Castro. Ele tem a máquina na mão e isso conta tanto para que ele se aproveite de ações violentas da Polícia Militar, como a chacina do Jacarezinho, quanto de eventuais ações econômicas. O governo do Estado deve receber alguns bilhões da privatização da Cedae [Companhia de Águas e Esgotos do Estado do Rio] que só podem ser usados como investimentos e isso deve turbinar a candidatura dele.
Mas esse apoio de Bolsonaro ainda é interessante, diante da queda da popularidade do presidente na última pesquisa do Datafolha?
Bolsonaro chegará forte em 2022, mesmo com a queda de popularidade que se verifica agora. A eleição tende a se polarizar entre ele e Lula, que serão “esponjas” de voto, sugando o eleitorado que nesse momento declara voto em outros candidatos, mas que na "hora H" vai optar pelos mais competitivos. Nos estados, quem conseguir se associar a eles sai em vantagem.
No Rio então, berço do bolsonarismo, ele será um cabo eleitoral muito forte.
Os resultados da administração da pandemia e a imunização da população são fatores que tornam imponderável a campanha eleitoral e o resultado das urnas para o governo do estado do RJ?
De fato, é cedo para cravar as tendências eleitorais na maioria dos estados. Muita água vai rolar. Isso se torna ainda mais forte no Rio de Janeiro, dada a crise do sistema político fluminense, único estado que teve um governador "impeachmado" e vários outros presos, o que abre espaço para surpresas.
Já podemos afirmar que o Rio terá uma eleição extremamente nacionalizada, pautada pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Provavelmente, será o estado com maior incidência dessa nacionalização e menor destaque para questões locais.
Qual é o peso do prefeito do Rio, Eduardo Paes, de saída do DEM para o PSD, nas eleições? O presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, desconhecido da população fluminense, pode vir a ser o candidato de Paes?
Em condições normais de temperatura e pressão, Eduardo Paes seria um grande cabo eleitoral e seu candidato ao governo do estado disputaria uma vaga no segundo turno. Mas a nacionalização do pleito no Rio de Janeiro vai dificultar esse movimento.
Nesse sentido, acho que o prefeito da capital vai apostar em algum nome novo, com o perfil do Felipe Santa Cruz, pois assim constrói um novo quadro para as disputas futuras. Vale lembrar que o seu grupo ficou de fora do segundo turno em 2016, justamente por ter um péssimo candidato, que era o Pedro Paulo [atual secretário da Casa Civil de Paes].
O senhor vê chances de uma aliança entre Eduardo Paes e o deputado federal Marcelo Freixo (Psol)?
No primeiro turno é improvável. O eleitorado do Paes é de direita. Sua estrutura partidária também, capilarizada por vereadores e deputados de direita. Não é simples mover essa estrutura para votar de cara em alguém com o perfil do Marcelo Freixo, que é a principal figura da esquerda fluminense, mesmo que ele saia do Psol e vá para um partido mais de centro-esquerda, como o PSB.
Essas conversas entre eles são fundamentais para estabelecer pontes e preparar alianças em um eventual segundo turno.
Na sua avaliação, qual é a autonomia de Freixo para debater alianças a partir do Psol? Se houver a filiação dele ao PSB, como será o comportamento do PT diante de uma frente encabeçada por Freixo?
O Psol está passando por um intenso debate interno sobre que tipo de partido quer ser. A crise da democracia brasileira desde o golpe de 2016 vem levando o partido a sair da postura "autoproclamatória" e de marcação de posição que o caracterizou na sua primeira década de existência.
A tragédia social e política que é o governo Bolsonaro acelera esse processo no psolismo. A entrada de uma liderança política como o Guilherme Boulos aprofunda isso ainda mais, como ficou nítido na eleição municipal de 2020 em São Paulo.
Aposto que o Psol vai apoiar Lula em 2022.
Agora, o fato é que há muita resistência a essa renovação, expressa na pré-candidatura do deputado federal Glauber Braga à presidência do partido. E essa resistência é particularmente forte no Rio. Por isso, entendo que o Freixo não enxergue no Psol as condições para viabilizar uma candidatura competitiva.
Já foi assim em 2020 e ele retirou, não tem por que sair de cena de novo em 2022. Melhor mesmo sair do partido e fazer uma frente que envolva PT, PCdoB, PSB, Rede e o próprio Psol e que atraia o PDT, apesar do Ciro. Tenho certeza que o PT apoiará com tranquilidade, até pela nacionalização das eleições no Rio que eu já mencionei.
Que surpresas podemos esperar para os próximos meses em termos de candidaturas, alianças e etc?
Com o bolsonarismo e a grave crise política, o Rio de Janeiro é um estado fértil para surpresas em termos de candidaturas e alianças. Mas o retorno do Lula ao jogo político reorganiza o sistema partidário e diminui bastante o espaço para essas surpresas.
Aposto que no Rio teremos uma candidatura forte lulista (Freixo), outra candidatura forte do bolsonarismo (Cláudio Castro) e uma terceira que represente a direita tradicional do Paes e Rodrigo Maia, mas que ficará emparedada na polarização nacional e não vai crescer muito.
Edição: Mariana Pitasse